Pular para o conteúdo

O que é gênero?

Muitas pessoas atribuem o termo “gênero” em seu sentido moderno ao psicólogo John Money, que propôs o uso da palavra em 1955 para diferenciar o “sexo mental” do “sexo físico”. No entanto, Money não foi o primeiro a fazer isso. A antropóloga cultural Margaret Mead usou o termo em 1949 em seu livro “Male and Female” para distinguir comportamentos e papéis de gênero do sexo biológico. 

O sexo humano pode ser dividido em três categorias:

  • Genótipo: o cariótipo cromossômico geneticamente definido de um organismo (XX, XY e todas as suas variantes).
  • Fenótipo: As características sexuais primárias e secundárias observáveis ​​(genitais, distribuição de gordura e músculos, estrutura óssea, etc).
  • Gênero: As características sexuais não observáveis, o modelo mental interno de uma pessoa a respeito do seu próprio sexo e a forma como ela o expressa.

Qualquer um desses três aspectos pode cair em uma posição em uma faixa de valores. Sua aula de biologia do ensino fundamental provavelmente lhe ensinou que o genótipo é binário, feminino (XX) ou masculino (XY), quando a realidade é que há várias combinações que podem ocorrer em seres humanos. 

Da mesma forma, muitas pessoas acreditam que o fenótipo também é binário, mas a biologia reconheceu por centenas de anos que quando você traça todas as características sexuais de uma população, você na verdade acaba com uma distribuição bimodal em que a maioria da população está dentro de um percentual de dois grupos. Isso significa que muitas pessoas apresentarão características diferentes das mais típicas na população e algumas pessoas acabam ficando no meio, com características de ambos os extremos.

Gênero, entretanto, é algo muito mais abstrato do que o fenótipo, e não é diretamente determinado por características físicas da pessoa. Existem muitas maneiras diferentes de representar a diversidade e os vários aspectos do conceito de gênero, porém nenhuma delas é capaz de esgotar todas as experiências possíveis (até porque existem identidades de gênero específicas de algumas culturas, como dois espíritos, hijra e também a identidade travesti na América Latina). Tais gráficos devem ser vistos como ferramentas pedagógicas, e não como a última palavra sobre o assunto.

(Imagem: Reprodução)

Resumindo, algumas pessoas são muito masculinas, algumas pessoas são muito femininas, algumas pessoas não se identificam com nenhum gênero, algumas pessoas se identificam com ambos, algumas estão bem no meio, algumas estão nas bordas. Algumas pessoas oscilam em todo o espectro de maneiras imprevisíveis, mudando o tempo todo. Apenas a própria pessoa pode sentir e reconhecer seu próprio gênero, ninguém mais pode fazer isso por ela.

O gênero é parte construção social, parte comportamentos aprendidos e parte processos biológicos que se formam muito cedo na vida de uma pessoa.

Evidências atuais parecem sugerir que a determinação do gênero de uma pessoa é fortemente influenciado por processos que ocorrem durante a gestação, enquanto o córtex cerebral está se formando (mais sobre isso no artigo Causas da disforia de gênero). Esse modelo mental então informa, em um nível não consciente, para quais aspectos do espectro de gênero uma pessoa se inclinará mais. O gênero afeta o comportamento (incluindo a postura corporal, formas de andar e outros movimentos corporais), as percepções de mundo, a maneira como experimentamos atração (para além da orientação sexual e das influências hormonais) e como nos relacionamos e nos identificamos com outras pessoas.

O gênero também afeta as expectativas do seu sistema nervoso com relação ao ambiente em que reside (seu corpo). Quando esse ambiente não corresponde a essas expectativas, ou seja, quando o corpo da pessoa está operando com um hormônio diferente do esperado pelo sistema nervoso, podem surgir sintomas de depressão, despersonalização e desrealização. Essas são algumas formas que a disforia de gênero pode tomar e que sinalizam que há algo de errado com a relação da pessoa com seu corpo.

No lado social, o gênero envolve nosso habitus: nossa apresentação, nossos maneirismos e comportamentos, como nos comunicamos, como reagimos, quais são nossas expectativas da vida e os papéis que cumprimos ao longo da vida. A autora Susan Stryker descreveu o habitus em seu livro “Transgender History”:

Muito do habitus envolve a manipulação de nossas características sexuais secundárias para comunicar aos outros nossa própria sensação de quem sentimos que somos – seja por balançarmos os quadris, falar gesticulando, ganhar músculos na academia, deixar crescer o cabelo, usar roupas com decote, depilar nossas axilas, deixar uma barba crescer em nossos rostos ou falar com uma inflexão crescente ou decrescente no final das frases. Frequentemente, essas formas de se mover e estilizar se tornaram tão internalizadas que pensamos nelas como naturais, embora – dado que são todas coisas que aprendemos por meio da observação e da prática – possam ser melhor entendidas como uma “segunda natureza” culturalmente adquirida.

Na verdade, todos esses são fatores culturais; coisas que se desenvolveram na sociedade ao longo do tempo. Independentemente de serem essencialmente “inventados”, ainda assim eles se conectam com a forma como entendemos gênero pois uma pessoa tende a expressar o habitus do gênero de seu eu interno. Por exemplo, é comum que mulheres trans (mesmo antes de se perceberem como mulheres) imitem comportamentos e gestos de mulheres ao seu redor, mesmo sem perceber que estão fazendo isso. Não poder socializar com as pessoas do gênero com o qual você se identifica como elas socializam entre si provavelmente causará grande desconforto.

John Money desenvolveu experimentos para tentar confirmar sua crença de que gênero é inteiramente uma construção social e de que qualquer criança pode ser criada para acreditar que é o que foi ensinada a ser. Seu experimento foi um grande fracasso (veja a seção Disforia e dissociação). O gênero não pode ser simplesmente alterado por condicionamento social. O que pode ser mudado é nossa própria compreensão pessoal de nosso gênero à medida que amadurecemos como indivíduos.

Vale lembrar: gênero é algo completamente diferente de orientação sexual. Descrevemos a orientação usando termos relativos ao gênero das pessoas envolvidas em uma relação (homossexual / heterossexual / bissexual, etc.), mas o gênero em si não determina a sexualidade e vice versa. Ou seja, para que não reste nenhuma dúvida: uma mulher trans pode ser lésbica (se relacionando estritamente com outras mulheres, cis ou trans), assim como um homem trans pode ser gay (se atraindo apenas por outros homens, cis ou trans).

O que significa ser não binário? 

Não-binário basicamente pode ser simplificado como uma não afinidade exclusiva com gêneros os binários, Masculino ou Feminino. Isso pode ser uma falta de afinidade com qualquer identidade (agênero), uma afinidade total com ambos (bi-gênero), uma afinidade equilibrada com ambos (andrógino), uma afinidade que muda de dia para dia (gênerofluido), uma afinidade parcial (demigênero), ou mesmo uma afinidade com todo o espectro de gênero de uma vez (pangênero).

Pode ser uma afinidade com alguns aspectos de um gênero, mas não com outros. Por exemplo, uma pessoa não binária pode ser alguém designada mulher ao nascimento (em inglês, AFAB, ou assigned female at birth) que sente apenas uma conexão parcial com a feminilidade, ou pode ser um indivíduo designado como homem ao nascimento (AMAB, assigned male at birth) que está fazendo terapia hormonal para aliviar a disforia física, preferindo ter um fenótipo feminino, mas que não experimenta uma forte conexão com os aspectos sociais da feminilidade.

Em termos generalistas, este guia propõe descrever o gênero com base na diferenciação entre identidades binárias (masculino / feminino) e identidades não binárias. Contudo, reconhecemos que a diversidade de expressões de gênero que existe no mundo real é muito mais rica do que essa simples divisão. Por exemplo, no Brasil, a autopercepção de pessoas que se identificam como travestis não é necessariamente similar à de uma mulher trans. O artigo de Bruna Benevides “Travesti ou Transexual, tem diferença?” traz informações mais detalhadas sobre esse tema.