The post Síndrome do Impostor appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>É muito comum que pessoas trans, especialmente no início de suas descobertas, duvidem muito de seus sentimentos e da ideia de que elas possam de fato ser trans. Para pessoas trans que já tem mais tempo dessa vivência, chega a ser engraçado ler inúmeros posts em fóruns trans de pessoas descrevendo em detalhes como gostariam de poder viver como outro gênero, e que terminam com a pergunta “mas não sei, será que sou trans mesmo?”.
Vários discursos que circulam a respeito de pessoas trans são responsáveis pela dificuldade de nos reconhecermos enquanto tal. A narrativa do “nascer no corpo errado”, por exemplo, levou a muita desinformação sobre o que é ser trans, afinal, nem todas as pessoas trans apresentam disforia física ou sentem isso de forma tão intensa – às vezes nem sabemos identificar esse sentimento. Muitas pessoas trans cresceram pensando que não são realmente trans apenas porque não sentiam uma convicção clara de que eram de um gênero diferente desde a infância. Várias pessoas trans não binárias sentem que algo está errado com as expectativas que as pessoas têm sobre elas desde muito cedo, porém têm dificuldade de acreditar que podem ser trans por não se sentirem plenamente identificadas com nenhum gênero binário.
Fora concepções equivocadas, mas que ao menos não invalidam a existência de pessoas trans, também somos cercados dos mais variados discursos transfóbicos que sequer reconhecem a transgeneridade como algo legítimo, ou que defendem que pessoas trans estariam tentando “enganar” as pessoas para ter alguma vantagem ou que são pessoas fora de sua sanidade que estão erradas sobre tudo que acreditam.
É normal que pessoas trans tenham muitas dúvidas sobre a validade do que sentem, especialmente tendo em vista a força de estereótipos de gênero – ver a si mesmo não atendendo a esses estereótipos pode levantar dúvidas sobre seu gênero. Pode ser difícil, em uma situação desse tipo, saber se você é trans ou apenas não se identifica com padrões rígidos de expressão de gênero. Afinal, várias pessoas cis também sentem desconforto com padrões rígidos de expressão de gênero.
Uma vivência cercada de transfobia também prejudica bastante a autoestima de pessoas trans e sua capacidade de acreditarem em si mesmas. A disforia de gênero também pode ocasionar uma depressão, o que reforça ainda mais um estado de inação e de dúvidas intensas. Tudo isso leva a uma auto-invalidação que pode criar enormes dificuldades para aceitar sua própria identidade de gênero.
Mas esta é justamente a questão: somente pessoas trans ficam se preocupando se são realmente trans. Pessoas cisgênero não costumam ter essa obsessão com sua identidade: se elas chegam a pensar sobre como seria viver como outro gênero, rapidamente abandonam a ideia. Se você continuar voltando a esses pensamentos repetidamente, esse é um bom sinal de que você deveria investigar mais esses sentimentos e considerar seriamente a possibilidade de ser trans.
O mundo está cheio de discursos que nos enchem de dúvidas e nos impedem de romper com a ordem social estabelecida. Abaixo, exploramos alguns dos sistemas e ideologias que buscam invalidar as pessoas trans e impedir que possamos entender nossa própria experiência.
Um dos pontos que causa confusão no processo de descoberta de pessoas trans AFAB, especialmente pessoas não binárias que não querem uma transição medicamentosa, tem a ver com opressões sistêmicas que mulheres no geral sofrem. A ideia de que “ah, você simplesmente não quer ser mulher por causa do machismo que mulheres sofrem” é ouvida com muita frequência e pode influenciar profundamente essas pessoas a ponto de duvidarem da sua própria percepção. Essa lógica não faz muito sentido, porque se você é AFAB e não se sente uma mulher, isso significa ser trans. Além disso, pessoas trans costumam sofrer ainda mais discriminação do que mulheres, sendo assim, ideia de que se assumir como trans ajudaria alguém a escapar de algum tipo de opressão é bastante absurda.
A mensagem do feminismo radical de que deveríamos ‘abandonar os papéis de gênero’ ou de ‘abolir o gênero’ também pode dificultar a análise desses sentimentos. “Será que sou realmente uma pessoa não-binária ou sou apenas uma feminista?” “Eu sou mesmo homem, ou sou apenas uma lésbica muito masculina?”. Assim como em todo o processo de exploração sobre seu gênero, é ideal buscar pessoas com experiências que você considera próximas da sua – neste caso, tanto lésbicas cis quanto homens trans – e avaliar como as experiências dessas pessoas ressoam com as suas.
Mulheres cis podem reclamar da opressão causada pelo patriarcado, mas costumam enxergar tais problemas como externos ao fato de elas serem mulheres. Afinal, mesmo mulheres cis com uma expressão bastante masculina ainda são mulheres e identificam-se como tal, apesar de desviarem da expressão feminina dominante.
Se você sente que não é uma mulher binária, então você não é uma mulher binária. Mulheres cis não sentem esse distanciamento em relação ao seu gênero.
Crianças AMAB crescem cercadas por mensagens do que é “ser um homem de verdade” e várias dessas representações são bastante negativas e machistas. Existem tão poucos exemplos de masculinidade positiva na mídia popular, e às vezes até no próprio convívio pessoal, que pode ser difícil para pessoas AMAB distinguirem se realmente são trans ou se apenas não se identificam com padrões tóxicos de masculinidade. Esse mesmo incômodo pode ser um ponto de dúvida também para que uma pessoa trans AFAB assuma uma identificação com a masculinidade.
Aqui, pode ser interessante refletir sobre as pessoas com quem você costuma se identificar, para além de estereótipos negativos: homens tipicamente se identificam mais com outros homens, sobretudo no caso de comportamentos que percebem como positivos. Uma mulher trans, por outro lado, além de não se identificar com a maioria dos comportamentos masculinos (bons ou ruins) que encontra, pode descobrir que a sua vida toda se espelhou muito mais em outras mulheres.
Nesse processo, pode ser interessante explorar expressões de masculinidade ou feminilidade que fogem de padrões heteronormativos: um homem trans pode descobrir que se identifica muito mais com a comunidade gay masculina do que com homens heterossexuais, e o mesmo vale para mulheres trans que não se identificam com modelos clássicos de feminilidade.
Transmedicalismo é uma ideologia derivada da escala de Harry Benjamin que, ecoando os critérios rígidos pré-WPATH sobre o que é ser “trans de verdade”, exige que uma pessoa sinta disforia física intensa e necessariamente deseje uma transição médica, invalidando completamente identidades não binárias. Em sua essência, o transmedicalismo é um conceito excludente, que eleva pessoas trans binárias acima de outras identidades de gênero, e que enxerga pessoas trans que não desejam se enquadrar perfeitamente no padrão binário como um constrangimento que prejudicaria a imagem das “verdadeiras” pessoas trans.
Sem perceber, a postura transmedicalista é destrutiva até mesmo a pessoas transgênero que se consideram binárias. O transmedicalismo abraça pressupostos transfóbicos que pretendem policiar a partir de qual ponto em sua transição uma pessoa é “realmente trans”: após a cirurgia de confirmação genital? Após o início da terapia hormonal? Esta ideologia ignora não apenas que pessoas trans podem não desejar se submeter a tratamentos médicos, como também que tais tratamentos podem ser inviáveis para muitas pessoas trans por razões médicas ou econômicas.
Se a primeira exposição de uma pessoa trans ao universo trans vem de um transmedicalista, isso pode prejudicar gravemente sua autoaceitação e empurrá-la ainda mais para dentro do armário, impedindo que ela explore sua identidade com conforto e punindo qualquer um que não sinta a mais absoluta certeza de que se sente 100% pertencente ao outro gênero binário diferente daquele designado no nascimento.
The post Síndrome do Impostor appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>The post Cirurgias de redesignação sexual masculinizantes appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>A histerectomia é a cirurgia de remoção do útero e colo do útero. Histerectomias são normalmente feitas em conjunto com a salpingo-ooforectomia bilateral (explicadas abaixo), mas podem ser feitas independente de outros procedimentos.
A remoção do útero previne futuras menstruação e gravidez; ela é necessária se o indivíduo busca a vaginectomia, pois o canal vaginal é a única via de escape para qualquer fluido proveniente do útero.
A Histerectomia pode ser feita das seguintes formas:
Um corte é feito no abdômen para acessar o útero. É o método mais invasivo e com maior tempo de recuperação necessário, além de poder deixar uma cicatriz do corte. Esse método é contra-indicado para indivíduos que buscam faloplastia abdominal.
O útero é acessado através do canal vaginal, pelo qual o órgão é retirado. O acesso pode não ser possível se o canal estiver severamente atrofiado, o que pode ocorrer pela ação prolongada da testosterona.
Com a ajuda de pequenas câmeras, o cirurgião faz duas a quatro pequenas incisões no abdômen para cortar o útero, que pode ser retirado por via vaginal ou em pedaços pequenos pelas próprias incisões. É o método menos invasivo.
A salpingectomia consiste na retirada das trompas, e a ooforectomia é a retirada dos ovários. Normalmente feitas juntas, essas cirurgias podem ser unilaterais (em que se retira apenas a trompa e o ovário de um dos lados) ou bilaterais (remoção de ambos ovários e/ou ambas trompas).
A remoção dos ovários corta a produção de hormônios femininos do corpo, o que permite ao indivíduo em terapia hormonal de testosterona reduzir sua dose. Isso também impedirá o paciente de ter uma gravidez no futuro. Caso a pessoa queira ter filhos com seu próprio material genético é recomendado que seja feito o congelamento de óvulos antes do procedimento.
Os ovários podem ser mantidos, servindo como uma fonte natural de hormônios sexuais, caso o indivíduo não consiga ou não queira continuar com a terapia hormonal para sempre. As trompas também podem ser removidas sem retirada dos ovários, o que faz com que a pessoa perca a capacidade de engravidar, sem interferir na produção natural de hormônios sexuais.
Vaginectomia é um procedimento médico realizado para remover toda ou parte da vagina. O método mais comum para as cirurgias transgenitalizadoras é a colpocleise, onde a mucosa vaginal é removida (ablação) e é feita a fusão do canal interno. A abertura do canal também pode ser fechada para criar um períneo masculino.
A metoidioplastia é basicamente a transformação do clítoris em um pênis. Com terapia hormonal de testosterona, o clítoris geralmente aumenta de tamanho, chegando a um comprimento de em média 2.5-5cm. Esse ganho de tamanho auxilia na operação.
Na metoidioplastia simples, o clítoris tem seus ligamentos cortados para ter movimento mais livre.
Em operações mais complexas, ele pode ter sua posição mudada para ficar mais à frente e/ou acima, ficando em uma posição masculina mais natural. Tecido da lábia menor pode ser utilizado para aumentar um pouco a circunferência. Com uretroplastia, é possível redirecionar a uretra para que se possa urinar utilizando esse pênis.
Os resultados da meto são muito mais dependentes da anatomia original do indivíduo. O pênis em si vai ficar geralmente do mesmo tamanho e aparência do megaclítoris. Embora haja raros exemplos de crescimento clitoriano que passa de 5-6cm, a maioria das pessoas que buscam essa cirurgia devem esperar um micropênis bem parecido com o que já possuem, só que reposicionado para ser mais acessível.
O pênis da metoidioplastia possui a mesma capacidade de ereção do megaclítoris e seu prepúcio pode ser mantido.
A faloplastia, ou neofaloplastia, é um procedimento inicialmente criado para homens cisgênero que perderam o falo por lesão ou outros motivos. Ela faz uso de retalhos de outras partes do corpo para criar o neofalo. Com uretroplastia, o falo pode ser utilizado para urinar em pé, e com ligações de nervos é possível conseguir sensações tanto táteis quanto eróticas.
Os retalhos podem ser feitos das seguintes áreas:
O antebraço pode ser usado para construir um pênis com tamanho pequeno a mediano, normalmente sem muita gordura.
O pênis feito a partir da coxa, em geral é bem “gorducho” devido à maior concentração de gordura na pele local. Podem ser necessitadas revisões futuras para tirar o excesso de gordura. A coxa tem maior versatilidade para aqueles que querem um falo maior.
Este foi o primeiro método testado e continua em uso hoje com algumas variações. Deixa cicatrizes menores, mas também pode acumular gordura assim como o falo vindo da coxa. Pode não ser possível para indivíduos que passaram por cirurgias abdominais que envolveram cortes grandes (como cesariana e histerectomia abdominal).
O pênis construído a partir do retalho dorsal possui mais firmeza e permite maior liberdade na escolha de tamanhos, porém a sensibilidade sensorial tende a ser menor.
As cirurgias de faloplastia são complexas, normalmente sendo segmentadas em várias fases para reduzir os riscos e facilitar a recuperação. Dependendo da pele utilizada para a neouretra e a preferência do indivíduo, pode ser necessário tratamento com laser ou eletrólise no local doador para retirar os pelos e não ficar com uma uretra ou pênis cabeludo. No Brasil, ainda são consideradas cirurgias de caráter experimental e só podem ser feitas em alguns hospitais universitários, com poucos cirurgiões aptos a realizarem a operação.
A construção de uma glande peniana no topo do falo, deixando a aparência inicial de um “tubo” mais parecida com a aparência de um pênis circuncisado.
Uma operação possível tanto na metoidioplastia como na faloplastia, a uretroplastia utiliza enxertos de pele ou mucosa para aumentar o comprimento da uretra e redirecionar o fluxo urinário para poder passar pelo novo pênis. Esse procedimento, tem uma chance considerável de causar algumas complicações, como fístulas e estenose da uretra.
O falo construído a partir dos procedimentos de faloplastia não é capaz de ter ereções, embora algumas técnicas possam fazer com que o falo seja mais firme do que outras. Para atividade sexual, os indivíduos com neofalo podem utilizar brinquedos sexuais para manter a sua posição ou fazer cirurgia de implante peniano, com implantes maleáveis e infláveis disponíveis. Estes implantes em geral precisam ser substituídos ao longo dos anos.
A escrotoplastia é uma operação onde os grandes lábios (labia majora) são reformados em forma de um saco escrotal. Também podem ser colocados os implantes testiculares, que são réplicas de testículos feitas de silicone utilizados para providenciar volume e preenchimento ao saco escrotal.
É possível tatuar áreas de cicatrizes para escondê-las, ou tatuar o neofalo para lhe dar uma aparência mais natural, como por exemplo desenhar veias aparentes e tornar a glande pós-glansplastia mais rosada. A tatuagem é recomendada para conferir a aparência de prepúcio em um neofalo sem glansplastia.
Os profissionais envolvidos nessas cirurgias incluem ginecologista/obstetrícia (para histerectomia e/ou vaginectomia), urologista, cirurgião plástico, instrumentadores e anestesiologistas.
Os custos variam muito de acordo com as operações que o indivíduo vai ou não fazer, tempo de estadia em hospital, opção por implantes e necessidade de revisões, além da possível necessidade de viajar para os locais de cirurgia.
Uma histerectomia pode chegar a custar entre R$10.000 e R$18.000, porém, ela consta no rol da ANS e deve ser coberta por plano de saúde mediante prescrição médica, esse procedimento também está incluso no parecer 26/2021 da ANS como parte do processo transexualizador e, portanto, é obrigatória a cobertura.
Uma faloplastia no Brasil custa algo entre 40 a 60 mil reais, porém a cobertura por planos de saúde para essa cirurgia não é obrigatória pelo fato da cirurgia ainda estar em caráter experimental no Brasil.
The post Cirurgias de redesignação sexual masculinizantes appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>The post Terapia hormonal feminizante appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>Esta é uma compilação de mudanças de transição médica relatadas e coletadas de depoimentos de pessoas trans AMAB passando ou que passaram pela hormonização com estrogênio. Essas informações foram coletadas em redes sociais e salas de bate-papo. Sim, isso significa que tudo isso é anedótico, mas, historicamente, a maior parte do estudo da medicina transgênero é anedótica porque existe pouquíssimo financiamento para a pesquisa médica transgênero.
Observe que esta é uma lista de possíveis alterações. Não há garantia de que todas as pessoas que estão fazendo TH feminizante passarão por todas essas mudanças. Sua idade, genética, histórico médico, grau de masculinização física desde a primeira puberdade e regime hormonal podem ter impactos nos resultados. Há também um certo grau de aleatoriedade, cada corpo reage de maneira diferente e algumas características podem demorar mais ou menos para aparecer em algumas pessoas.
Apesar do senso comum, grande parte das pessoas trans femininas não buscam cirurgia para aumento dos seios, pois muitas vezes não é necessário (e para muitas, também não é acessível). Todo ser humano nasce com tecido mamário, mas ele permanece simplesmente inativo quando não há estrogênio para fazê-lo crescer. O desenvolvimento normalmente leva de 2 a 5 anos, mas pode continuar por mais de dez anos, assim como acontece com as mulheres cisgênero.
Espere dores no peito, junto com muita sensibilidade, na área ao redor e atrás da aréola. Evite bater em qualquer coisa, pois vai doer. Mamilos e aréolas ficarão muito mais sensíveis ao mesmo tempo que se tornam maiores e mais escuros. Um bom investimento nessa fase de crescimento são sutiãs esportivos, ou tops, pois são elásticos e servem para vários tamanhos diferentes.
Isso pode ser acompanhado pela lactação. Alguma secreção é normal e pode ser esperada à medida que os dutos de leite se formam e se abrem. No entanto, uma descarga significativa sem estimulação intencional pode ser um sinal de um desequilíbrio da prolactina, portanto, você deve informar o seu médico caso isso aconteça.
A testosterona promove o espessamento e o endurecimento da epiderme, portanto, remover a testosterona torna a pele mais fina. Além disso, o estrogênio promove a produção de colágeno, o que torna a pele mais macia e iridescente. Espere ver mais varizes em suas pernas. Tatuagens que podem ter desbotado com o tempo podem se tornar mais visíveis.
A remoção da testosterona também causa uma queda acentuada na oleosidade da pele, principalmente no rosto e no couro cabeludo. Isso resulta em uma redução significativa da acne e / ou caspa. Usar hidratante se torna mais importante.
A testosterona causa retenção de água nos ligamentos e tendões, tornando-os menos elásticos. A remoção dos andrógenos do corpo faz com que os tendões liberem esses fluidos e recuperem sua elasticidade.
Conforme a pele começa a amolecer e emagrecer, as mãos gradualmente começam a encolher. Sem testosterona, menos sangue flui para as mãos, causando ainda mais redução no tamanho dos tecidos. O tamanho do anel diminuirá à medida que a gordura e os fluidos saírem dos dedos. O comprimento dos dedos encurta à medida que os ligamentos se estreitam e se esticam.
Muito parecido com as mãos, os pés também experimentam mudanças na forma. Os andrógenos estimulam mais fluxo sanguíneo para os pés e estimulam o acúmulo de água na cartilagem. Os estrogênios permitem que os ligamentos do pé se estiquem mais. Como resultado, o arco do pé aumenta, encurtando seu comprimento total em até dois centímetros. Algumas pessoas relatam uma queda de um a dois números no tamanho de sapatos, outras notam mais uma mudança no formato dos pés sem uma alteração significativa no tamanho.
As unhas são feitas de queratina, e muitos genes da queratina são ativados por receptores de andrógenos, causando unhas mais grossas. A perda de testosterona tornará as unhas mais finas e mais propensas a quebrar.
Não espere uma cessação total dos pelos do corpo, uma vez que os folículos se tornam terminais pela ação da DHT (di-hidrotestosterona), eles permanecem assim. No entanto, assim como as unhas, a espessura do cabelo é uma expressão dos genes da queratina ativados por andrógenos. A remoção da testosterona faz com que os pelos do corpo fiquem mais finos e leves. No entanto, a genética desempenha um papel mais importante nisso.
Os andrógenos estimulam o fluxo sanguíneo extra para as extremidades, tornando-as mais quentes. Por causa disso, as mulheres tendem a ter temperaturas centrais mais quentes, mas temperaturas orais e de superfície mais baixas. Você pode ver sua temperatura corporal basal cair para cerca de 36,4º C.
Infelizmente, isso resulta em uma tolerância reduzida ao frio, portanto, espere precisar colocar roupas em camadas com mais frequência.
A mudança descrita acima na distribuição de temperatura também resulta em uma mudança significativa em como você transpira. Você deve começar a suar mais pelo corpo inteiro, ao invés disso ser mais localizado na cabeça e nas axilas. Outra novidade é o suor embaixo das mamas.
Um dos principais componentes do odor corporal masculino é a presença do feromônio esteróide androstadienona no suor. A androstadienona é metabolizada diretamente da testosterona, portanto, interromper a testosterona remove a fonte dessa substância. Sem ele, o suor assume um cheiro muito mais doce, que muitas vezes é atribuído a odores femininos.
Pessoas que tomam espironolactona (um bloqueador de testosterona comumente usado na transição de mulheres trans) podem experimentar uma cessação total de qualquer odor corporal, devido à forma como a droga altera a captação de cortisol dentro do corpo.
Os andrógenos estimulam o crescimento muscular, razão pela qual os esteróides anabolizantes (que são literalmente testosterona) são tão comuns entre os fisiculturistas. Pessoas com hormônios andrógenos naturalmente têm mais massa muscular, principalmente na parte superior do corpo, sem nem mesmo precisar malhar. A remoção dos andrógenos causa a atrofia dessa massa muscular e torna mais difícil ganhar músculos em geral. Este é um fator importante para a linha feminina de ombros e pescoço, bem como a linha da cintura.
Com isso, vem uma perda significativa de força. Carregar coisas e abrir potes fica mais difícil.
Os andrógenos estimulam o corpo a depositar gorduras no abdômen, enquanto o estrogênio estimula o depósito de gordura nas coxas, nádegas e quadris. A troca nesse padrão faz com que novas gorduras sejam depositadas de acordo com o perfil estrogênico, enquanto as gorduras armazenadas durante o uso de andrógenos se quebram. Isso produz a ilusão de que a gordura está migrando de lugar conforme a forma do corpo muda. A linha da cintura encolhe e se define abaixo das costelas, e a barriga fica mais macia e plana.
Como o estrogênio deposita peso muito mais abaixo no corpo e a massa muscular na parte superior do corpo é perdida, isso abaixa o centro de gravidade, o que altera a forma de andar da pessoa. Torna-se mais natural andar balançando o corpo com os quadris ao invés dos ombros.
Junto com a migração da gordura corporal, a gordura do rosto também migra. O pescoço, o queixo e a linha da mandíbula se estreitam enquanto os lábios e a parte superior das bochechas incham. A sobrancelha e as pálpebras superiores se erguem, expondo mais o globo ocular. Mudanças na pele e na musculatura ao redor do olho podem alterar a forma do globo ocular, mudando a profundidade focal e alterando a clareza da visão. A cor dos olhos também pode mudar e ficar mais forte, pois a testosterona faz com que a pigmentação da íris desapareça.
Este é um processo extremamente sutil e lento que leva anos e é fácil pensar que nada está mudando. Tire fotos para comparar.
Com a remoção dos andrógenos, o fluxo sanguíneo para o couro cabeludo aumenta. Os folículos perdidos devido à calvície de padrão masculino podem ser reativados, causando alguma regeneração da linha capilar e preenchimento de áreas calvas. O cabelo do couro cabeludo fica mais espesso e os folículos ficam mais fortes, permitindo que o cabelo cresça em comprimentos mais longos.
Com esse espessamento, a ondulação pode se tornar mais pronunciada e também pode ocorrer uma mudança na cor do cabelo. Você pode descobrir que seu cabelo está assumindo uma textura mais parecida com a de sua mãe do que com a de seu pai.
Um tratamento comum contra a perda de cabelo é o uso de finasterida, um bloqueador de DHT, que é o tipo de testosterona que causa o padrão de calvície masculina. Essa é uma opção segura para mulheres trans que querem evitar perdas capilares e ainda não se sentem prontas para iniciar a terapia hormonal com estrógeno.
À medida que a musculatura atrofia, a flexibilidade dos ligamentos aumenta e o peso se desloca para baixo no corpo, a orientação do osso pélvico em relação à coluna e aos fêmures gira para a frente. Não muito, apenas cerca de 10-20 graus, mas o suficiente para causar uma mudança no alinhamento da coluna e dos quadris, aumentando o arco das costas e fazendo com que as nádegas se projetem mais. O arco adicionado às costas pode causar uma queda relativa na altura total, entre 1 e 2 polegadas (2 a 5 cm), dependendo da forma pélvica.
Observe que isto NÃO é o mesmo que a rotação do quadril que ocorre na puberdade AFAB e durante a gravidez. Nestes casos, ocorre a migração das células ósseas, alterando a forma do próprio osso pélvico. No entanto, a rotação do quadril pode ocorrer se a pessoa for jovem o suficiente para ainda estar na puberdade inicial, onde o corpo está produzindo hormônio de crescimento humano elevado. Também houve exemplos de rotação do quadril acontecendo por longos períodos de tempo em mulheres trans idosas. Em 2017, uma mulher trans de 80 anos relatou que, ao longo de seus 30 anos de TH, seu médico observou mudanças em sua pélvis consistentes com a rotação do quadril feminino.
Menos massa corporal significa menos sangue para diluir produtos químicos. A perda de testosterona também significa uma taxa metabólica mais lenta, diminuindo a velocidade com que toxinas são filtradas da corrente sanguínea. Alguns anti-andrógenos também sobrecarregam o fígado, reduzindo ainda mais a velocidade de processamento de drogas.
Conforme abordado na seção Disforia bioquímica, os cérebros podem ser conectados a um determinado perfil hormonal, e operar no perfil errado causa uma série de problemas. Iniciar a TH muitas vezes resulta na cessação de sintomas de despersonalização e desrealização nos primeiros meses, mesmo antes de ocorrerem mudanças físicas significativas. Entretanto, se a pessoa sofrer de outros problemas de ordem psicológica (o que tende a ser mais comum em pessoas LGBT+ por efeito de “stress de minoria”), ela ainda pode sentir alguns desses sintomas, por mais que seja esperada alguma melhora.
Se você tem TDAH, pode haver algumas mudanças em seus sintomas. Os andrógenos amplificam a função do receptor de dopamina, portanto, reduzir a testosterona pode reduzir o potencial de ativação da dopamina no cérebro. A dopamina é um neurotransmissor chave no comportamento da memória de trabalho, a memória de curto prazo do cérebro. Menos memória de trabalho significa que você se torna mais sujeita a distrações e tem mais dificuldade em se manter focada.
Por outro lado, o estradiol estimula o cérebro a produzir mais dopamina, sendo assim não é tão simples dizer como (e se) haverá alteração significativa nos sintomas de TDAH.
Por um lado, o alívio da despersonalização e desrealização e de outros desconfortos associados à disforia de gênero com certeza resulta em um maior conforto da pessoa consigo mesma, sendo assim, fica mais fácil entrar em contato com emoções e sentimentos. Além disso, o padrão hormonal estrogênico em sí está associado a uma maior sensibilidade emocional. Os altos são mais altos e os baixos são mais baixos. Aqueles que podem ter sido incapazes de chorar e que se consideravam “estóicos” antes da transição, recuperam o choro, tanto de tristeza quanto de alegria.
Infelizmente, isso também significa que se você teve trauma de eventos anteriores na vida (o que é comum para pessoas trans, infelizmente), você pode começar a ter episódios de transtorno de estresse pós-traumático, devido à maior dificuldade de suprimir emoções. Esse é mais um dos motivos pelos quais a psicoterapia é indicada durante a transição hormonal.
Como os níveis de estrogênio flutuam entre as doses, você pode experimentar mudanças perceptíveis e às vezes dramáticas em seu humor. Choro inexplicável acontece; A raiva da TPM acontece; Há relatos de que o uso de progesterona melhora essas oscilações de humor, porém o uso da progesterona na terapia hormonal ainda é muito pouco estudado.
Muitas mulheres relatam serem incapazes de comer tanto quanto poderiam antes da transição. A perda de massa muscular magra nos braços e ombros significa que o corpo tem uma capacidade reduzida de queimar lipídios e, como tal, a sensação de saciedade ocorre mais cedo.
No entanto, a progesterona aumenta a função mitocondrial dentro do corpo, aumentando a taxa metabólica. Isso pode causar um aumento no apetite à medida que o corpo tenta repor as calorias queimadas.
Muitas pessoas relatam ter melhores padrões de sono após o início da TH. Este é provavelmente um fator de alívio da despersonalização e desrealização, pois parece ocorrer tanto em homens quanto mulheres trans. O uso da progesterona também é associado a uma significativa melhora no sono.
É extremamente comum que pessoas trans de todos os tipos se encontrem muito mais sociáveis após a transição. Isso provavelmente não é algo realmente causado pelo uso de estrógeno em si, mas sim resultado do alívio da disforia e dessas pessoas não se sentirem mais coagidas a suprimir tanto de sua personalidade.
A TH para pessoas trans demonstrou várias vezes causar mudanças na distribuição da substância cinzenta e da substância branca no cérebro em ambas as formas de TH. Novas estruturas e vias neurais são formadas como resultado da mudança nos perfis hormonais, e isso resulta em mudanças na percepção sensorial. Essas são algumas das mudanças que foram observadas e relatadas, mas não está claro se isso é uma função dos próprios hormônios ou um fator do cérebro recebendo os hormônios para os quais está programado.
Os usuários de espironolactona frequentemente desenvolvem forte desejo por alimentos ricos em sal, como picles, azeitonas ou produtos à base de batata. Isso ocorre porque a espironolactona é um diurético que facilita o acúmulo de potássio e a perda de sódio pela urina. O cérebro estimula essa vontade para que a pessoa reponha o sódio perdido.
Todos os órgãos genitais são construídos a partir dos mesmos tecidos, que são apenas organizados de forma diferente durante o desenvolvimento do embrião. Muito do comportamento desses tecidos é regulado pelos hormônios no corpo. Secreções de pele, texturas, sensibilidade e comportamento erétil são expressões hormonais. O que significa que quando você remove andrógenos e adiciona estrógenos a um corpo AMAB, esses tecidos começam a se comportar de forma mais parecida com uma vulva.
A pele do pênis torna-se muito mais fina e frágil, mais propensa a lacerar e ficar irritada, ao mesmo tempo que se torna significativamente mais sensível ao toque. O órgão inteiro também se torna muito mais sensível à pressão, e a vibração se torna uma forma melhor de estimulação em vez de carícias, que podem se tornar dolorosas.
A pele ao longo da região genital começa a exalar um cheiro similar ao canal vaginal, e a área pode ficar mais úmida, principalmente durante a excitação (sim, mulheres trans também ficam “molhadas”). A combinação desses fatores significa que o odor (e sabor) do pênis muda se assemelhando mais ao de uma vulva.
O escroto é um análogo dos lábios externos e internos e amolece, assumindo uma textura mais macia e aveludada, estendendo-se até o períneo. A pele ao longo da rafe perineal (a linha vertical onde estava a abertura da vulva antes da formação do escroto) também ficará escura. Algumas pessoas experimentam uma espécie de padrão de listras ao longo do escroto.
Com um baixo nível de testosterona flutuante livre, os níveis de DHT na corrente sanguínea caem significativamente. O DHT desempenha um papel importante na estimulação de ereções aleatórias durante o sono por meio do aumento da próstata, e essas ereções são responsáveis pela manutenção do tecido erétil. Sem DHT, a próstata encolhe novamente e as ereções aleatórias cessam (não há mais ereção matinal). Com o tempo, isso pode levar a uma atrofia da genital (diminuição de tamanho, possíveis dores, dificuldades de conseguir e manter ereções). A atrofia também pode resultar em uma alteração no formato do pênis, no geral tomando um formato mais cônico, pois a primeira parte que tende a perder a habilidade de ficar mais cheia de sangue é a glande;
Essa atrofia pode ser evitada exercitando regularmente o tecido erétil, o que pode ficar mais difícil se as ereções não acontecem mais sem algum tipo de estimulação. Uma forma de contornar essa atrofia é com o uso de doses baixas de tadalafila, um medicamento de uso contínuo (diferente da viagra, que é usada para um efeito mais imediato) usado para o tratamento da disfunção erétil. Nem todas as mulheres trans sentem disforia em relação à sua genitália e podem desejar manter essa funcionalidade. Isso também pode ser importante para mulheres trans que pretendem realizar cirurgias genitais (para os métodos mais comuns dessa cirurgia), pois a atrofia pode diminuir a quantidade de tecido disponível, o que pode dificultar o procedimento.
A maior parte do líquido que forma a ejaculação se origina na próstata. É um fluido totalmente límpido, com uma textura viscosa. A cor branca e a viscosidade geralmente atribuídas à ejaculação masculina são causadas pelo sêmen e pelo fluido seminal dos testículos. A produção de sêmen e fluido seminal é um produto da função testicular, de modo que, à medida que os testículos param (seja por causa dos anti-andrógenos ou da predominância do estrogênio), esses fluidos param de ser produzidos, deixando apenas o fluido da próstata.
Algumas pessoas perdem até isso e param de emitir qualquer fluido durante o orgasmo.
Isso é o que causa esterilidade em mulheres trans. Ao contrário do que algumas fontes relatam, isso NÃO é necessariamente permanente, e muitas pessoas foram capazes de restaurar a funcionalidade dos testículos interrompendo a terapia hormonal, seja para destransicionar ou para fins reprodutivos. Entretanto, também não há garantia de que isso seja reversível, portanto se ter filhos com seu próprio material genético é importante para você, considere congelar esperma antes de iniciar a TH.
Assim que os testículos param de funcionar, as células começam a atrofiar, encolhendo com o tempo. Essa atrofia pode ser acompanhada de dor, às vezes na forma de uma dor ou sensação de latejar surdo, ou às vezes registrando-se como pequenas faíscas de dor que viajam ao longo do nervo perineal dos testículos até o reto.
O início da TH pode resultar em uma grande diminuição do desejo sexual à medida que os níveis de testosterona despencam (especialmente com o uso de bloqueadores). Isso pode durar alguns meses. Parar com o uso de bloqueadores e atingir um nível feminino normal de testosterona normalmente resulta na volta da libido. Além disso, há relatos de que o uso de progesterona pode contribuir com a libido. Quando o desejo sexual voltar, a nova libido pode ser uma experiência completamente diferente, que podemos não reconhecer a princípio.

Todo o corpo se torna mais responsivo ao toque e, com isso, novas zonas erógenas se revelam mais sensíveis. Seios, abdômen, parte interna das coxas e pescoço, em particular, tornam-se mais indutores de excitação.
O orgasmo muda significativamente, tanto na forma como você chega até ele como na própria sensação. Além disso, algumas mulheres sortudas relatam desenvolver a capacidade de alcançar orgasmos múltiplos, sem o intervalo do período refratário. O custo disso é que o orgasmo pode se tornar mais difícil de atingir e é preciso reaprender como alcançá-lo. Também se torna mais fácil alcançar um orgasmo com um parceiro, o que pode ter sido o contrário antes.
É possível que uma pessoa transgênero experimente uma mudança em sua orientação sexual com a transição. Isso quase sempre é o resultado da remoção de barreiras mentais auto-impostas e os efeitos da terapia hormonal frequentemente desempenham um papel nessa remoção. Por exemplo, uma mulher trans que antes se sentia atraída estritamente por mulheres pode passar a se interessar por homens à medida que seu próprio corpo toma uma forma mais feminina.
Na maioria dos casos, o que ocorre é apenas a expansão da atração, de monossexual para bi / pansexual, mas algumas pessoas também descobrem que sua atração estava amplamente enraizada no interesse próprio e que sua verdadeira atração é invertida.
Obviamente, mulheres trans não sangram uma vez por mês. Contudo, outros sintomas típicos do ciclo menstrual de mulheres cis costumam ser sentidos por pessoas trans. Os sintomas variam muito (assim como em mulheres cis) e geralmente duram de 2 a 4 dias, repetindo-se a cada 26 a 32 dias (embora algumas relatem sentir sintomas duas vezes por semana). Isso acontece independentemente dos horários de dosagem dos medicamentos. O uso de um aplicativo de monitoramento do ciclo menstrual como o Clue pode revelar este padrão.
Não, ainda não há estudos sobre isso ainda, mas é relatado por muitas, muitas mulheres, e foi confirmado pelos próprios médicos de várias delas. Também há precedente disso acontecer com mulheres cisgênero que fizeram histerectomia.
O uso contínuo de estrogênio e progesterona ativa uma sequência de genes que instrui o hipotálamo a tentar fazer o ciclo dos ovários e do comportamento uterino da mesma forma que o faz em indivíduos AFAB, independentemente da ausência de ovários ou útero. Este ciclo afeta vários órgãos e subsistemas do corpo, causando a liberação de uma variedade de hormônios e enzimas diferentes que podem afetar a função e até mesmo o comportamento.
The post Terapia hormonal feminizante appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>The post Terapia hormonal masculinizante appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>Esta é uma compilação de mudanças de transição médica relatadas e coletadas de depoimentos de pessoas trans AFAB passando ou que passaram pela hormonização com testosterona. Essas informações foram coletadas em redes sociais e salas de bate-papo. Sim, isso significa que tudo isso é anedótico, mas, historicamente, a maior parte do estudo da medicina transgênero é anedótica porque existe pouquíssimo financiamento para a pesquisa médica transgênero.
Observe que esta é uma lista de possíveis alterações. Não há garantia de que todas as pessoas que estão fazendo TH masculinizante passarão por todas essas mudanças. Sua idade, genética, histórico médico, grau de feminização física desde a primeira puberdade e regime hormonal podem ter impactos nos resultados. Há também um certo grau de aleatoriedade, cada corpo reage de maneira diferente e algumas características podem demorar mais ou menos para aparecer em algumas pessoas.
Os hormônios andrógenos fazem com que o tecido que compreende as cordas vocais engrosse e endureça, diminuindo permanentemente o tom da voz. Esta não é uma mudança muito rápida, mas que ocorre gradualmente ao longo dos primeiros anos. Algumas pessoas sofrem pouquíssima alteração na voz. Dificilmente a mudança será muito drástica, se você é soprano, você não vai se tornar um baixo, mas talvez possa vir a ter uma voz de tenor.
Isso não significa que sua voz será automaticamente lida como masculina. O tom é apenas uma parte de como o gênero é sinalizado pela voz, e a maneira como você fala desempenha um papel muito maior. Realizar treinamento vocal pode ser importante para amplificar a ressonância e mudar o estilo de fala.
Os andrógenos estimulam o fluxo sanguíneo extra para as extremidades, tornando-as mais quentes. Por causa disso, as regiões mais centrais do corpo masculino são mais frias, mas temperaturas orais e de superfície mais quentes. Você pode ver o aumento da sua temperatura corporal basal. O resultado final é que você se sentirá mais aquecido e provavelmente não será capaz de colocar as roupas em camadas tanto quanto antes. Se você mora em climas frios, expor seus calcanhares pode ajudar a dissipar o calor sem deixá-lo muito frio.
Essa mudança geralmente ocorre bem cedo; espere sudoreses noturnas enquanto seu sistema se acostuma.
A mudança descrita acima também resulta em uma mudança significativa em como você transpira. O suor se acumula na cabeça, nas costas e nas axilas. Você provavelmente também vai suar com mais frequência, então é bom se acostumar a beber mais água.
Frequentemente, uma das primeiras coisas a mudar: o suor e o odor corporal geral ficarão muito mais fortes, especialmente durante o exercício. O cheiro ficará mais azedo e almiscarado. O odor tende a se suavizar com o progresso da TH.
Os andrógenos aumentam significativamente a presença de pelos corporais nas pernas, virilha, nádegas, tórax, costas e braços. Os pelos vão crescer mais espessos, mais compridos e mais escuros. Isso provavelmente acontecerá bem antes do crescimento dos pelos faciais, o que pode levar mais de um ano para começar. Minoxidil pode acelerar isso, mas tenha cuidado, pois é venenoso se ingerido, especialmente por gatos (então cuidado com lambidas de todo tipo).
A calvície masculina é causada pela di-hidrotestosterona (DHT), um andrógeno que é metabolizado a partir da testosterona. Ter mais testosterona em seu corpo significa que mais DHT pode se formar, e o gene que contribui para a calvície masculina faz com que os folículos capilares no couro cabeludo recebam menos sangue, sufocando-os até que morram. No futuro, com certeza ocorrerá alguma perda de cabelos na linha frontal do couro cabeludo. Caso haja um histórico de calvície entre os homens de sua família, é bastante mais provável que isso aconteça com você também.
É possível prevenir isso com o uso de finasterida oral ou de uso tópico só no couro cabeludo (o segundo método permite que a DHT continue agindo na região da genital, pois só bloqueará a ação desse hormônio no couro cabeludo). A finasterida também pode ser misturada com minoxidil. Há discussões mais recentes sobre o possível uso do andrógeno sintético nandrolona, pois este não se metaboliza em DHT e pode ser uma alternativa viável no lugar da testosterona direta se a perda de cabelo for uma preocupação durante a TH. No entanto, o DHT é importante para o crescimento genital, sendo assim, é importante conversar sobre suas opções com seu médico.
A testosterona promove o espessamento e o endurecimento da epiderme, tornando a pele mais áspera. À medida que os níveis de estrogênio caem, o corpo produz menos colágeno. Isso faz com que a pele fique mais dura e seca (especialmente nos joelhos e cotovelos). As veias das mãos, braços e pernas podem se tornar mais pronunciadas (mas não varicosas).
Espere que seu rosto e couro cabeludo fiquem mais oleosos. É provável que a acne se torne um problema, e não apenas no rosto. Isso tende a ser pior imediatamente após o início da administração dos hormônios. Geralmente, isso melhora após os primeiros anos, mas é recomendado fazer um acompanhamento com dermatologista e usar produtos de limpeza de pele para pele oleosa a fim de evitar complicações.
Durante longos períodos (3-5 anos), as mãos podem ficar mais duras e calejadas.
A testosterona também faz com que ligamentos e tendões retenham mais água, alterando sua flexibilidade. Com o tempo, isso pode resultar em um aumento no tamanho do pé à medida que o arco do pé diminui.
As unhas dos pés e das mãos ficarão mais grossas com o tempo, à medida que os níveis de queratina aumentam devido à presença de andrógenos.
Os andrógenos estimulam o crescimento muscular, razão pela qual os esteróides anabolizantes (que são literalmente testosterona) são tão comuns entre os fisiculturistas. O corpo irá naturalmente ganhar mais músculos, mesmo sem ter que se exercitar, mas com exercício pode haver ganhos substanciais, principalmente nos braços e ombros. Cuidado, você não reconhecerá sua própria força no início.
O músculo magro adicional na parte superior do corpo redefine a linha dos ombros e do pescoço, criando uma silhueta mais masculina. Também melhora a capacidade do corpo de processar lipídios, facilitando a perda de peso.
Enquanto o estrogênio estimula o corpo a depositar gorduras na região das coxas, nádegas e quadris, os andrógenos estimulam o corpo a depositar gorduras principalmente no abdômen. Começar a testosterona irá encorajar seu corpo a seguir esse padrão. A gordura nos seios, coxas e nádegas se desvia para outras regiões. A redistribuição da gordura corporal leva bastante tempo, mas pode ser um pouco acelerada com métodos tradicionais de perda de peso.
Junto com a migração da gordura corporal, a gordura do rosto também muda. O pescoço, o queixo e a linha da mandíbula se enchem, enquanto os lábios e a parte superior das bochechas encolhem. A cor dos olhos também pode mudar e tornar-se mais fraca a longo prazo, pois a testosterona faz com que a pigmentação da íris desapareça.
Este é um processo extremamente sutil e lento que leva anos, pode ser difícil perceber a diferença no dia a dia. As maiores mudanças parecem acontecer no terceiro e quarto ano. Tire fotos para comparar.
Mais massa corporal significa mais sangue para diluir substâncias desse tipo. O aumento da testosterona também significa uma taxa metabólica mais alta, aumentando a velocidade com que as toxinas são removidas da corrente sanguínea.
Conforme abordado na seção Disforia bioquímica, os cérebros podem ser conectados a um determinado perfil hormonal, e operar no perfil errado causa uma série de problemas. Iniciar a TH muitas vezes resulta na cessação de sintomas de despersonalização e desrealização nos primeiros meses, mesmo antes de ocorrerem mudanças físicas significativas. Entretanto, se a pessoa sofrer de outros problemas de ordem psicológica (o que tende a ser mais comum em pessoas LGBT+ por efeito de “stress de minoria”), ela ainda pode sentir alguns desses sintomas, por mais que seja esperada alguma melhora.
Se você tem TDAH, pode haver algumas mudanças em seus sintomas. Os andrógenos amplificam a função do receptor de dopamina, portanto, aumentar a testosterona pode melhorar o potencial de ativação da dopamina no cérebro. A dopamina é um neurotransmissor chave no comportamento da memória de trabalho, a memória de curto prazo do cérebro. Mais memória de trabalho significa que você pode se tornar menos sujeito a distrações e ter mais facilidade para se manter focado.
No entanto, o estradiol estimula a produção de dopamina, de modo que, à medida que os níveis de estrogênio caem, haverá menos dopamina para o cérebro trabalhar. Sendo assim, não é tão simples dizer como (e se) haverá alteração significativa nos sintomas de TDAH.
Por um lado, o alívio da despersonalização e desrealização e de outros desconfortos associados à disforia de gênero com certeza resulta em um maior conforto da pessoa consigo mesma, sendo assim, fica mais fácil entrar em contato com emoções e sentimentos.
No entanto, sob a testosterona, a sensibilidade a emoções pode ficar menor, e elas se tornam mais controláveis e fáceis de suprimir. Contudo, suprimir suas emoções não costuma ser muito saudável e é uma forma rápida de gerar traumas mal resolvidos.
Você pode se tornar menos expressivo com suas emoções. Algumas pessoas perdem a capacidade de chorar depois de iniciar a testosterona, mas esta não é uma experiência universal e pode estar ligada a uma dosagem alta. As razões por trás disso não são bem conhecidas, embora alguns estudos ([1], [2]) tenham descoberto que os andrógenos alteram a função em partes do cérebro conectadas ao processamento emocional. Se você perder a capacidade de chorar, ela pode retornar com o tempo, à medida que seu cérebro se tornar mais acostumado com o novo padrão hormonal.
É possível que ocorra uma desregulação emocional antes e imediatamente após a aplicação da testosterona (por conta de um nível muito alto ou baixo do hormônio) e isso pode resultar em redução da paciência e aumento da agressividade.
A testosterona aumenta o metabolismo do corpo significativamente, e o aumento da massa muscular significa que há mais células para alimentar, então você queimará calorias mais rápido.
Algumas pessoas relatam problemas com insônia e menos sonhos memoráveis. No entanto, esse tipo de relato não é universal (ver [1]).
A testosterona é conhecida por induzir um forte senso de autoconfiança nas pessoas. Os problemas parecem menos significativos, há uma melhora na auto-estima, menos ansiedades (o que certamente também é consequência da diminuição da disforia). Muitas pessoas relatam maior tendência a entrar em discussões e maior disposição para a autopromoção e para se posicionar diante de conflitos. Isso não significa mais hostilidade ou agressividade, simplesmente que a tolerância a situações sentidas como injustas diminui.
É extremamente comum que pessoas trans de todos os tipos se encontrem muito mais sociáveis após a transição. Isso provavelmente é resultado do alívio da disforia e de a pessoa não se sentir mais coagida a suprimir tanto de sua personalidade.
Todos os órgãos genitais são construídos a partir dos mesmos tecidos, que são apenas organizados de forma diferente durante o desenvolvimento do embrião. Muito do comportamento desses tecidos é regulado pelos hormônios no corpo. Secreções de pele, texturas, sensibilidade e comportamento erétil são expressões hormonais.
O que significa que quando você adiciona andrógenos, esses tecidos começam a se comportar de forma mais parecida com um pênis e escroto masculinos típicos.
A DHT (mencionada acima) desempenha um papel crítico no desenvolvimento do tecido erétil nos órgãos genitais. À medida que os níveis de DHT aumentam com o aumento da testosterona, isso fará com que a glândula de Skene (às vezes chamada de próstata feminina) se torne inchada. Isso irá induzir ereções aleatórias dentro do clitóris, fazendo com que o tecido erétil cresça. A quantidade de crescimento varia de pessoa para pessoa, por volta da faixa entre 2 a 8 centímetros.
O capuz clitoriano e os lábios ficarão mais secos e grossos com o tempo, e os lábios internos também podem começar a crescer pelos. A auto lubrificação pode reduzir substancialmente e, com o tempo, a penetração pode se tornar dolorosa. Use lubrificante para evitar fissuras e sangramentos.
Com o inchaço da próstata, há um aumento na produção de fluidos da próstata. Se você não “ejaculava” antes, você pode passar a fazer isso.
A estimulação erógena pode se tornar mais focada na cabeça do clitóris e no resto da genitália e menos no corpo como um todo.
A atrofia vaginal e uterina geralmente ocorre nos primeiros cinco anos, e uma histerectomia pode ser necessária. Os sinais de atrofia incluem latejamento profundo na parte inferior do abdômen e cólicas dolorosas sem outros sintomas menstruais, principalmente após uma relação sexual. A atrofia vaginal pode ser evitada com o uso dos mesmos dilatadores vaginais que mulheres trans usam após uma vaginoplastia.
É quase certo que sua libido vai às alturas nos primeiros dois anos, especialmente imediatamente após a administração da testosterona. É possível que você se encontre sendo mais assertivo durante o sexo e com mais tendência a ser dominante e/ou “ativo”.
As piadas sobre adolescentes estarem sempre com tesão, bem, isso é mesmo uma coisa. Não incontrolavelmente, de um jeito que de me arranje problemas, mas eu faria sexo várias vezes ao dia …
Além disso, acho que ‘noto’ mais as mulheres agora, eu ainda prefiro mais homens, mas a proporção se ajustou um pouco mais para o centro (traduzido do inglês)
9:50 – 22 de março de 2021
A “forma” do orgasmo pode mudar. Em vez de uma sensação em “cascata” pelo corpo, o orgasmo é uma “explosão” na virilha.
Homens cis, com níveis de testosterona dentro do normal masculino, são mais facilmente atraídos por estímulos sexuais visuais. Por isso, a TH pode fazer você passar a notar as pessoas por quem você se atrai sexualmente muito mais rapidamente.
O aumento de andrógenos dentro do corpo faz com que o hipotálamo diminua a produção dos hormônios que controlam os ovários. Isso reduzirá o estrogênio total disponível e pode interromper a ovulação. Sem ovulação e com níveis mais baixos de FSH, o útero ficará menos propenso a formar e liberar o endométrio, causando a interrupção do fluxo sanguíneo.
Você ainda pode sentir outros sintomas menstruais, no entanto, já que o hipotálamo pode continuar a expressar outros aspectos do ciclo mensal. Isso pode continuar mesmo após uma histerectomia total, embora não seja comum.
No entanto, isso tudo NÃO significa que você se tornará infértil! A ovulação ainda pode ocorrer mesmo se você não menstruar. Além disso, interromper a testosterona fará com que os ovários voltem a operar como antes.
The post Terapia hormonal masculinizante appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>The post Como funcionam os hormônios appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>Mas como isso funciona? Por que as células se diferenciam dessa forma? Bem, antes de podermos explicar isso, primeiro temos que explicar o conceito de receptores químicos.
Um receptor é como uma fechadura com diferentes “chaves”. Cada célula do corpo possui um conjunto de mecanismos que ativam diferentes funções dentro dessa célula. Eles são como interruptores que sinalizam para a célula que ela deve ativar uma parte diferente de sua sequência genética. Os receptores são ativados com determinados compostos químicos, como se estes fossem “chaves” que abrem a “fechadura” para desencadear este processo. Diferentes compostos químicos têm diferentes capacidades de ativar um mesmo receptor.
A capacidade de uma molécula de se encaixar em um receptor é chamada de afinidade de ligação relativa e é medida como a probabilidade de uma molécula se ligar a um receptor em comparação a outro. Então, por exemplo, se o Hormônio B se liga apenas 10% do tempo em relação ao Hormônio A, então é dito que ele tem uma afinidade de ligação de 10% comparado ao Hormônio A. Os compostos que se encaixam em um receptor, mas não o ativam, são chamados de Antagonistas – estes bloqueiam que o receptor seja ativado por outras substâncias. Os compostos que são capazes de ativar o receptor e “girar a chave” são chamados de Agonistas. Se o composto ativar um receptor apenas um pouco, é chamado de Agonista Parcial. Também existem substâncias inibidoras, que são compostos que diminuem a velocidade de uma reação química relacionada a um receptor, ou ativadoras, que aceleram a velocidade de uma reação. Uma explicação mais detalhada destes termos pode ser encontrada aqui.
Em alguns casos, um hormônio pode funcionar como um inibidor ou ativador de um hormônio diferente, diminuindo ou aumentando o comportamento de uma célula. Por exemplo, a progesterona aumenta a atividade celular, fazendo com que as células respondam mais eficazmente aos estrogênios e androgênios, e a testosterona aumenta a eficácia de receptores de dopamina, portanto, menos dopamina é necessária no cérebro para que se tenha o mesmo efeito.
Existem quatro tipos principais de hormônios:
Aminoácidos como a melatonina, que controla o sono, ou a tiroxina, que regula o metabolismo;
Peptídeos, como a oxitocina e a insulina, que são cadeias de aminoácidos;
Eicosanóides que são formados a partir de lipídios e ácidos graxos e afetam predominantemente o sistema imunológico; e
Esteróides, moléculas sinalizadoras produzidas por vários órgãos internos para transmitir mensagens a outros órgãos do corpo.
Para os propósitos deste artigo, esta última categoria é a que mais nos preocupa, já que todos os hormônios sexuais são esteróides. Eles se enquadram em sete categorias principais:
Os três primeiros são os tipos de hormônios relevantes em se tratando da terapia hormonal para pessoas trans. Nota: todos os seres humanos, independentemente do fenótipo, possuem algum de cada um desses hormônios em seus corpos. O que afeta a forma do desenvolvimento do corpo são as diferentes proporções entre esses hormônios.
Existem quase uma dúzia de andrógenos diferentes, mas os mais importantes são a testosterona e a diidrotestosterona.
A testosterona é o principal hormônio responsável pelo desenvolvimento de características masculinas no corpo humano e é produzida nas glândulas supra renais, nos testículos e nos ovários (sendo que nos ovários ela é imediatamente convertida em estrona e estradiol). Esse hormônio regula o crescimento de células musculares e ósseas e, em concentrações mais elevadas, estimula uma maior massa muscular e uma estrutura esquelética mais espessa. Isso também significa que a testosterona é crítica para a saúde óssea, pois afeta a distribuição de cálcio dentro da estrutura do esqueleto. Assim, uma baixa severa de testosterona pode resultar em osteoporose e ossos frágeis. A testosterona também desempenha um papel importante no impulso sexual e na libido, estimulando comportamentos sexuais.
A diidrotestosterona (DHT), que é convertida a partir da testosterona na próstata, pele e fígado, desempenha um papel importante no desenvolvimento da genitália masculina durante a puberdade, induzindo ereções aleatórias e crescimento de pelos faciais e corporais. A DHT também é o que causa o padrão masculino de calvície, pois bloqueia a circulação do sangue para os folículos na parte superior do couro cabeludo. A DHT se liga aos receptores de andrógenos dez vezes mais fortemente do que a testosterona.
Existem quatro estrogênios: estradiol, estrona, estriol e estetrol. Os dois últimos são produzidos apenas durante a gravidez e são importantes para a saúde fetal, mas, assim como a estrona, não são relevantes para a terapia hormonal em pessoas trans.
Estradiol é o hormônio feminizante, pois é o principal hormônio de sinalização para o crescimento nas glândulas mamárias (tecido mamário), e porque estimula depósitos de gordura nas coxas, quadris, nádegas, tórax e braços, e inibe o depósito de gordura no abdômen, produzindo assim uma figura mais curvilínea. O estradiol também promove o aumento da produção de colágeno, resultando em uma pele mais macia e tendões e ligamentos mais flexíveis. Sobre os efeitos do estrogênio no corpo, veja o artigo Terapia hormonal feminizante.
A progestatina principal é a progesterona, que desempenha várias funções no corpo. Ao que indicam pesquisas iniciais, é possível que a progesterona seja um componente importante para a terapia hormonal feminizante.
Um dos maiores papéis que o receptor de progestatina desempenha é na regulação da função gonadal (ovários e testículos). O hipotálamo é repleto de receptores de progestatina e responde fortemente à sua ativação, regulando negativamente a produção de GnRH, o que então reduz a produção do hormônio luteinizante (LH) pela glândula pituitária.
LH é o hormônio que sinaliza a produção estrogênio e andrógenos nas gônadas. O LH e seu hormônio irmão FSH desempenham papéis centrais na ovulação. Assim, os progestágenos sintéticos, substâncias químicas que se encaixam nos receptores de progestogênios, costumam ser incluídos no controle da natalidade para prevenir a ovulação. Em pessoas com testículos, progestatinas têm o efeito de bloquear a produção de testosterona.
Outro tipo de célula cheia de receptores de progestatina é o tecido mamário. A progesterona desempenha um papel importante no crescimento e maturação dos dutos de leite no tecido mamário. Embora pouca pesquisa formal tenha sido conduzida sobre o efeito da progesterona no desenvolvimento dos seios, anedoticamente, ela tem sido amplamente considerada na comunidade trans feminina como capaz de fornecer melhorias significativas na formação dos seios. Também foi demonstrado que a progesterona aumenta o fluxo sanguíneo para o tecido mamário e estimula os depósitos de gordura nos seios, o que aumenta o tamanho dos seios. Contudo, ainda não há confirmação científica destes efeitos.
Outros possíveis efeitos da progesterona incluem melhora no sono, melhora na saúde cardiovascular, aumento da cetogênese (reduzindo os triglicerídeos), aumento na função metabólica e menor risco de câncer de mama.
The post Como funcionam os hormônios appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>The post E os Cromossomos? appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>Tratamos de diversas das condições abaixo em maior detalhe em nosso artigo sobre as Causas da disforia de gênero, onde recorremos a estudos clínicos sobre condições intersexo para explicar a formação dos aspectos neurológicos e comportamentais do gênero em humanos.
As informações entre parênteses a seguir indicam respectivamente o número total de cromossomos no material genético, e quais são os cromossomos sexuais da pessoa com determinada condição.
17:45 – 19 de dezembro de 2019
The post E os Cromossomos? appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>The post Causas da Disforia de Gênero appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>As ciências biológicas e a psicologia comprovaram que a transgeneridade não é causada por influências sociais. Ninguém “vira” trans porque foi convencido disso, ou porque está na moda, ou porque teve um “trauma” na infância com determinado gênero. Principalmente por conta de dados clínicos sobre pessoas com condições intersexo e por resultados de experimentos com animais, sabemos que a exposição do cérebro fetal a diferentes graus de testosterona durante a segunda parte da gravidez (quando se inicia a formação do cérebro) altera algumas sensibilidades e comportamentos permanentemente. Além disso, há pesquisas demonstrando que gêmeos idênticos têm uma chance muito maior de serem ambos trans do que gêmeos não-idênticos – e que nos dois casos, a frequência é muito maior do que na população em geral – indicando que a transgeneridade possui forte influência de fatores genéticos.
Nosso objetivo é descrever como se forma a base biológica da identidade de gênero em seres humanos, recorrendo sobretudo a estudos em endocrinologia, genética e neurociência, além de estudos comparativos em modelos animais. É importante delimitar o que queremos dizer por “gênero” neste artigo em particular. A nível neural, estamos falando sobre diferenças em algumas áreas-chave do cérebro, induzidas pela presença ou não de testosterona durante a gestação. A nível comportamental, essas diferenças se traduzem em uma identificação intuitiva com as experiências de pessoas do seu próprio gênero. Isto pode tomar várias formas como abordamos no capítulo sobre euforia de gênero. Devemos frisar entretanto que os pontos abaixo não pretendem esgotar tudo que pode ser dito sobre as diversas formas como as pessoas se relacionam com ou expressam seu gênero, dado que este processo é indissociável de fatores sociais.
Por exemplo, historicamente, vários países exigiram que mulheres trans fossem heterosexuais, exibindo disforia genital e com expressão hiperfeminina para que pudessem ter acesso a tratamentos básicos como terapia hormonal. Este obstáculo médico dificultou que fosse conhecida a mera ideia de que uma mulher trans pudesse não exibir disforia genital, ou ter uma expressão de gênero fora dos padrões heteronormativos, ou não ser heterosexual, etc. Esse estereótipo dificultou que pessoas fugindo de tais padrões pudessem conceber a si próprias como mulheres trans e a se sentirem legitimadas a buscar tratamentos medicamentosos, mudanças de apresentação ou expressão, ou qualquer um dos meios pelos quais pessoas trans buscam maior conforto com sua experiência de gênero. Porém, nada disso alterou o fato de que tais pessoas não se identificavam com o gênero designado a elas no nascimento, mas sim com o gênero feminino. Em outras palavras, a sociedade pode influenciar sua decisão de transicionar ou sua capacidade para se entender enquanto pessoa trans, mas não sua afinidade e identificação com pessoas de seu gênero real.
Colocando de uma maneira mais geral, a sociedade, em suas práticas e discursos, fornece a fonte e restringe o campo de símbolos e conceitos que temos à disposição para dar sentido às nossas experiências e inclinações naturais no que diz respeito a gênero. Tais práticas e discursos obviamente variam também de lugar para lugar, sendo conhecida a enorme variedade antropológica com respeito tanto à expressão de gênero quanto às categorias de que pessoas dispõem para falar deste assunto. Assim, quais práticas serão tidas como tipicamente masculinas ou femininas em uma sociedade qualquer pode variar bastante. Apesar disso, qualquer sociedade vai possuir ao menos dois gêneros (reconhecidos simbolicamente como algo análogo aos conceitos de ‘homem’ e ‘mulher’ no ocidente), e a sensação intuitiva de identificação com um gênero ou outro ainda será determinada por fatores não-sociais, antes do nascimento. Pessoas cis tipicamente tendem a se identificar com algumas práticas vistas como próprias ao de seu gênero designado – não importando especificamente quais atividades são essas – e o contrário (uma não-identificação exclusiva ou completa) tende a ocorrer com pessoas trans.
Em um relato antropológico famoso, Pierre Clastres narra o caso de Krembégi, uma pessoa do povo aché que, designada masculina ao nascimento, passou em certo ponto da vida a se comportar em todos os aspectos relevantes como outras mulheres aché, abandonando o uso do arco e flecha usado pelos homens para caça, e passando a carregar o cesto tipicamente usado pelas mulheres para carregar objetos, coletar frutas, etc., além de se relacionar com homens e se mostrar bastante feliz com a posição social que viera a ocupar. O conforto sentido por Krembégi em viver tal como outras mulheres aché, assim como seu desconforto em agir e ser tratada como os homens aché derivava de uma inclinação natural sua, e não de influências sociais. Peculiaridades da sociedade aché foram relevantes então para estabelecer uma divisão de tarefas entre os dois gêneros, bem como para a aceitação de Krembégi enquanto mulher (diferente da nossa sociedade, não havia transfobia entre os aché), mas nenhum fator social fez com que Krembégi se sentisse como outras mulheres em primeiro lugar.
Em suma, a sensação de euforia ao expressar seu gênero real não é algo que pessoas trans “escolhem” ou “aprendem” a sentir imitando sua cultura, mas sim um fenômeno que deriva da variação biológica humana normal. Sentir uma afinidade profunda e “inexplicável” com pessoas de seu gênero real são consequências de se ter um sistema nervoso mais similar ao destas pessoas, em alguns aspectos importantes. Isso não significa dizer que nossos cérebros são azul ou rosa: a grande maioria das funções neuronais não estão relacionadas a gênero, porém, estudos em neurologia (mais abaixo) encontraram diferenças pequenas, mas estatisticamente significativas em regiões-chave do cérebro de pessoas de gêneros diferentes.
Como uma pessoa pode ter um sistema nervoso não alinhado ao gênero que se costuma associar aos seus genitais é o tema deste artigo. Como esta pessoa dá sentido simbolicamente a essa experiência ou como ela lida com as expectativas sociais colocadas sobre sua expressão de gênero são processos importantes, mas que são objeto de outros textos neste site.
Em fetos humanos, os ovários e testículos (gônadas) se desenvolvem a partir de um mesmo tecido, que pode se diferenciar em um ou outro órgão a depender de alguns processos embriológicos. No caso de pessoas com cromossomos XY, o gene SRY do cromossomo Y libera uma proteína chamada Testis Determining Factor (TDF). Essa proteína então inicia uma reação em cadeia com a produção de SOX9 (outra proteína), que faz com que as células gonadais se transformem nas células de Sertoli e Leydig que constituem os testículos. Se a TDF nunca é produzida ou sofre interferência, então as células da gônada transformam-se nas células tecais e nos folículos que compõem os ovários.
Uma vez formados, os testículos começam a produzir um pico de testosterona que normalmente começa na 8ª semana de gestação e continua até a 24ª semana. Essa onda de testosterona, combinada com outro hormônio da placenta, é responsável pelo desenvolvimento do pênis e do escroto. Se isso não ocorrer ou se por algum motivo o corpo não responder aos hormônios masculinizantes (como no caso da síndrome de insensibilidade completa a andrógenos), então outro caminho genético-bioquímico é ativado e a genitália se desenvolve em vulva, vagina e útero. A formação da genitália começa por volta da 9ª semana e torna-se identificável a partir da 11ª semana.
Já o cérebro pré-natal só começa a se desenvolver de verdade entre a 12ª e a 24ª semana. O córtex cerebral, a fina camada externa do cérebro que costumamos associar a processos cognitivos conscientes, cresce substancialmente durante esse período. Antes disso, a estrutura presente é mais como um andaime, formando apenas as partes básicas do sistema nervoso necessárias para o funcionamento corporal. Os sulcos primários (as rugas no córtex cerebral que permitem mais área de superfície e portanto mais neurônios) começam a se formar na semana 14, bem depois de os órgãos genitais terem se desenvolvido. É neste período da gestação que hormônios sexuais podem estimular algumas diferenciações neurais, o que causa influências em sensibilidades e comportamentos, incluindo aqueles relacionados a gênero.
Interferências em algum desses processos podem resultar em um desenvolvimento sexual diferente, como é o caso de várias condições intersexo. Em alguns casos, ocorre um desenvolvimento atípico da genitália (como uma masculinização parcial que a torna, em termos médicos, “ambígua”), apesar da presença de ovários ou testículos típicos e funcionais. Em outros casos, a criança possui um pênis ou vagina típicos, mas com gônadas “incompatíveis” (pênis e ovários, vagina e testículos ou outras combinações).
Um exemplo desse tipo de condição é o de pessoas XY com deficiência de 5-alpha-redutase. No processo de formação do pênis, a testosterona é convertida pelas enzimas 5-alfa-redutases em dihidrotestosterona (DHT), que é responsável pela masculinização da genitália externa, ainda no estágio fetal. Pessoas XY com deficiência de 5-alpha-redutase não conseguem converter testosterona em DHT, impedindo o desenvolvimento externalizado da genitália masculina. A aparência ambígua do genital nessa situação leva médicos tradicionalmente a classificarem o recém-nascido como feminino (AFAB) – apesar deste possuir cromossomo Y . Contudo, devido à presença de testículos internos funcionais, na puberdade as características sexuais secundárias masculinas que não dependem de DHT, mas apenas de testosterona, se desenvolvem normalmente. Por exemplo, ocorre engrossamento da voz, crescimento do falo e aumento de massa muscular, mas não barba pronunciada ou perda de cabelo (que são efeitos da DHT). Refletindo o fato de que seu sistema nervoso é exposto a níveis de testosterona típicos para o padrão masculino durante a gestação, entre 56 e 63% dos indivíduos com deficiência de 5-alpha-redutase iniciam uma transição de gênero masculinizante na adolescência ou idade adulta.
Embora os números de pessoas com 5-alfa-redutase que decidem transicionar sejam bastante maiores que os cerca de 0.4% que se estima representa a população trans nos EUA, isso não ocorre em 100% dos casos – de acordo com relatos de pacientes, uma das razões para não transicionar é a existência de pressões sociais (de familiares e amigos) para manter a expressão de gênero feminina que lhes foi designada ao nascer. É importante ressaltar que estatísticas sobre pessoas trans provavelmente não refletem o real número dessa população, pois muitas delas não vão perceber ou assumir isso por conta de desinformação e rejeição social.
Em alguns casos, a proteína TDF não é liberada e o feto pode desenvolver ovários e vagina completamente funcionais, mesmo possuindo um cromossomo Y. Isso é conhecido como Síndrome de Swyer, uma condição que pode afetar um número desconhecido de mulheres. Em 2015, uma mulher XY com Síndrome de Swyer que nasceu sem ovários gestou e deu à luz uma criança por fertilização in vitro. Geralmente a Síndrome de Swyer resulta em ovários não funcionais, mas em 2008 foi encontrada uma mulher com Síndrome de Swyer que havia passado pela puberdade, menstruado normalmente e teve duas gestações sem assistência. Sua condição permaneceu desconhecida até que sua filha também foi diagnosticada. O fato é que a grande maioria da população nunca teve seu cariótipo genético testado, então não sabemos o quão comuns são casos como este.
O que isso tudo tem a ver com a identidade de gênero? Assim como no caso da genitália e das gônadas, o cérebro humano também passa por uma diferenciação influenciada por hormônios sexuais durante o período fetal. Contudo, a genitália e o cérebro são formados em momentos diferentes da gestação, e diversas variações nesse período podem levar alguém a ter um sistema nervoso que é diferente em alguns aspectos ao de pessoas do gênero que lhe foi designado com base na aparência de seu genital – que é o que ocorre em pessoas trans. Essa diferenciação do tecido neural é a origem das afinidades intuitivas que qualquer pessoa sente com determinadas experiências de gênero.
Alguns achados de experimentos em animais como roedores e primatas ajudam a explicar como a influência dos níveis hormonais no período fetal contribui para definir comportamentos sexualmente dimórficos (isto é, comportamentos que variam conforme o sexo do animal), fornecendo modelos de como tal processo ocorre em seres humanos. É bem estabelecido experimentalmente que é possível induzir comportamentos típicos de animais machos em fetos de ratos e de macacos Rhesus XX expondo-os a níveis de testosterona típicos de fetos XY. Isso altera comportamentos sexuais, aumentando a tendência do animal a “montar” em fêmeas para iniciar a cópula, e também comportamentos sociais, como maior preferência por brincadeiras “agressivas” e menor frequência de vocalizações. Esta “masculinização” induzida artificialmente só ocorre se a testosterona é introduzida durante a formação do sistema nervoso do feto – caso o hormônio seja injetado apenas antes deste ponto, ocorre virilização da genitália, mas sem alteração no comportamento. Assim como as observações acima sobre certas condições intersexo, tais experimentos reforçam ainda mais a hipótese de que a inclinação natural e intuitiva de qualquer pessoa por seu gênero é influenciada pela presença ou ausência de efeito da testosterona fetal sobre seu sistema nervoso.
Em humanos, uma mudança nos níveis de testosterona no feto após a 11ª semana pode impactar diretamente na “masculinização” do córtex cerebral, assim como mudanças em outras partes da estrutura cerebral. Caso ocorra apenas exposição mínima do sistema nervoso à testosterona, o sistema nervoso central se desenvolve de forma anatomicamente mais similar ao de mulheres em certas áreas-chave (mais abaixo), e é provável que a pessoa manifeste uma identidade de gênero alinhada à feminina. Este é o caso de qualquer mulher cis XX ou de mulheres XY com insensibilidade completa a andrógenos (CAIS), por exemplo (“andrógenos” são a classe de hormônios “masculinizantes” que inclui a testosterona). Já no caso de uma exposição (e absorção) mais significativa de testosterona sobre o feto, este deverá manifestar uma identidade de gênero masculina após o nascimento. Entre esses dois extremos, uma infinidade de casos pode ocorrer: desde os diversos graus de insensibilidade a andrógenos, que impede a “masculinização” do sistema nervoso tipicamente esperada em pessoas XY (no caso de pessoas transfemininas), até um grau de exposição a andrógenos superior ao típico cisfeminino no desenvolvimento embrionário de pessoas XX (no caso de pessoas transmasculinas).
Outro dado relevante vem do caso de pessoas XX com HAC (hiperplasia adrenal congênita), uma condição relacionada a problemas na síntese de cortisol. Na maioria dos casos de HAC há alteração na produção de hormônios sexuais, levando a uma elevada síntese de testosterona por sua glândula adrenal (e portanto maior exposição a mais testosterona intrauterina), levando à manifestação de preferência por brincadeiras ‘masculinas’ na infância e a variados níveis de virilização da genitália. Embora a maioria (95%) das pessoas com HAC se identifiquem como mulheres, os 5% de indivíduos que transicionam representam um número muito mais alto que a baixa frequência da transgeneridade estimada na população em geral (0.02 a 0.03%), reforçando o papel do período fetal na determinação da identidade de gênero. Mais importante, o grau de virilização do genital não é um fator preditivo da manifestação de identidade de gênero masculina em pessoas com HAC, mais uma vez demonstrando que o processo de formação do genital é distinto e autônomo daquele responsável pela diferenciação sexual do sistema nervoso.
Para além dos casos em que alguma condição intersexo conhecida foi a origem da divergência entre o genital e a identidade de gênero, existe um contínuo, observável geneticamente, na sensibilidade a andrógenos de qualquer pessoa. Um estudo bastante amplo de indivíduos trans encontrou vários genes-chave que são estatisticamente mais prováveis de serem mais longos entre as mulheres trans (longos no sentido de terem mais fragmentos repetidos). Individualmente, esses genes podem não ter um impacto forte o suficiente para causar um “mau funcionamento” da masculinização no restante do corpo, mas coletivamente eles poderiam reduzir a capacidade do cérebro fetal de ser afetado pela testosterona. Junto dos estudos em gêmeos, tal tipo de achado corrobora a noção de que a transgeneridade possui relevantes bases genéticas.
Além dos estudos em animais e das observações clínicas da experiência de gênero de pessoas com condições intersexo, foi confirmado várias vezes através de estudos de ressonância magnética que existem pequenas, mas significativas diferenças entre cérebros de homens cis e de mulheres cis, e que, em pessoas trans, essas diferenças se alinham com a identidade de gênero real da pessoa. Ou seja, homens trans têm certas regiões do cérebro mais parecidas com as de homens cis do que com as de mulheres cis, e o mesmo ocorre com mulheres trans. Observe que isso não significa que qualquer pessoa com essas diferenças expressará esse gênero (afinal, conforme ressaltamos acima, uma infinidade de fatores sociais pode influenciar o processo de auto-identificação de uma pessoa trans), mas fornece evidências de que a identidade de gênero é um fator correlacionado a algumas pequenas diferenças anatômicas e de conectividade no cérebro.
Em termos comportamentais, a diferenciação do sistema nervoso na direção de um ou outro gênero costuma se refletir em uma maior afinidade com pessoas de seu gênero real, e na exibição de certos comportamentos mais típicos deste gênero, sobretudo na infância e adolescência. Com isso, não queremos dizer necessariamente comportamentos alinhados a padrões heteronormativos de gênero – é bastante mais complicado afirmar que determinado comportamento humano é categoricamente masculino ou feminino. Porém, como no caso da aché Krembégi, é comum que pessoas trans se espelhem em pessoas de seus verdadeiros gêneros, independentemente de contingências sociológicas. O efeito desta diferenciação sobre o comportamento fica mais evidente quando estudamos modelos animais, em que fatores culturais podem ser minimizados e fatores biológicos podem ser controlados experimentalmente.
Em resumo, um excesso de testosterona no corpo da mãe durante o segundo trimestre pode (e vai) causar masculinização do cérebro, independente da genitália do feto, e uma interferência na produção ou absorção de testosterona pode (e vai) causar um desenvolvimento do cérebro na outra direção. Essa interferência também não precisa ser de origem externa (como é nos experimentos com animais em que é injetada testosterona): além de condições intersexo, a variabilidade genética humana natural pode fazer com que o cérebro responda de maneira diferente à testosterona. Os achados acima explicam, a nível biológico, por que pessoas sentem uma afinidade natural/intuitiva com seu gênero real – e de que modo este gênero pode não convergir com aquele designado no seu nascimento.
É comum que haja um receio de que ao relacionar fatores biológicos à identidade de gênero, poderia-se estar abrindo margem para a patologização de identidades “desviantes”. Não é nenhuma novidade que as categorias de saúde mental na psiquiatria contribuíram historicamente para a patologização de características associadas a grupos marginalizados. Já abordamos em capítulos anteriores como as primeiras concepções médicas relacionadas a pessoas trans eram extremamente limitantes e tentavam encaixar as pessoas em categorias heteronormativas de gênero a fim de validar essas identidades.
Mesmo hoje, pesquisas científicas sobre transgeneridade costumam sofrer de sérias limitações metodológicas, sobretudo no que diz respeito à definição de suas amostras. É bastante raro que qualquer pesquisa sobre bases biológicas de gênero abarque a existência de pessoas não-binárias, agênero ou gênero-fluido, por exemplo. Em geral, tais pesquisas trabalham com uma definição binária de gênero, realizando comparações entre conjuntos de indivíduos identificados como ‘mulher cis/trans’ e ‘homem cis/trans’, sem que seja levado em conta o caráter contínuo das várias diferenças (físicas e comportamentais) entre estes grupos.
Apesar disso, é preciso ressaltar que a pesquisa científica contemporânea em ciências biológicas acerca de sexo e gênero não está a busca de uma “cura” para a transgeneridade. A validade da existência de pessoas trans não está em jogo quando discutimos possíveis causas biológicas da identidade de gênero. Ao invés disso, tais pesquisas nos mostram que a transgeneridade é apenas parte da variação natural humana, como a cor dos olhos ou a altura. Ninguém se “torna” trans, se nasce trans, e não há nada que possa ser feito para suprimir nossa existência.
A hipótese aqui defendida – de que a transgeneridade tem bases biológicas na variação humana normal – se coloca em contraste ao pressuposto tradicional adotado na medicina moderna até poucas décadas atrás: a visão típica costumava ser de que a criança nasce como uma folha em branco e desenvolve sua identidade de gênero exclusivamente sob influências do ambiente como a criação, a exposição a certos modelos de comportamento etc. Não era discutido na época o papel que poderiam ter fatores biológicos, sobretudo aqueles associados ao período intrauterino, sobre o desenvolvimento da identidade de gênero em humanos. Seguindo este princípio, algumas das primeiras pesquisas sobre disforia de gênero tentavam encontrar suas causas em dinâmicas familiares “disfuncionais” ou experiências traumáticas na infância.
Conforme apontamos em outro artigo, a crença de que o gênero é puramente uma construção social, junto à ideia de que qualquer variação de uma divisão binária estrita entre os gêneros masculino e feminino deveria ser “corrigida”, serviu de justificativa para que médicos simplesmente decidissem, de forma violenta e arbitrária, o gênero de crianças cuja genitália era “ambígua”. Por se tratar de uma cirurgia mais simples, escolhia-se tipicamente pela construção de uma vagina no recém-nascido.
Hoje, sabemos que o desenvolvimento da identidade de gênero ocorre inicialmente com a diferenciação do sistema nervoso fetal. Mais importante, sabemos que esse processo é posterior e inteiramente distinto do momento em que ocorre a formação da genital e das gônadas. Por isso, sabemos hoje que a aparência do genital não é um indicador confiável para a definição do gênero de uma criança – e não apenas no caso de condições intersexo. Em vez disso, a intuição da pessoa sobre sua experiência subjetiva com relação a gênero é a fonte mais confiável sobre qual é seu gênero: crianças trans, assim como crianças cis, têm uma intuição bastante clara sobre qual expressão preferem adotar. Sem amarras impostas por um contexto social preconceituoso, crianças e adultos podem expressar seu gênero da forma que lhes é mais natural.
The post Causas da Disforia de Gênero appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>The post Acessibilidade no Brasil appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>Pessoas trans costumam sentir grande desconforto com essas mudanças, e podem buscar métodos para modificá-las. Há uma série de profissionais que podem ser consultados a fim de se ter acesso a tratamentos que ajudam a aliviar a disforia. Neste artigo, vamos falar brevemente de alguns dos principais profissionais especializados nestes tratamentos e sobre como funciona o acesso a eles no Brasil.
Psicólogos e psiquiatras podem tanto ajudar uma pessoa a se perceber trans como também fornecer um suporte muito importante para a saúde psicológica de pessoas trans, auxiliando-as no enfrentamento à transfobia, na construção de uma rede de apoio, no processo de “sair do armário”, com questões com transfobia internalizada e outros sentimentos negativos comumente vivenciados por minorias e em lidar com a disforia em geral.
Endocrinologistas são os médicos responsáveis pela terapia hormonal, que consiste na administração de hormônios do gênero com a qual a pessoa se identifica a fim de que ela desenvolva características sexuais secundárias desse gênero. Além de mudanças físicas, a terapia hormonal promove também mudanças a nível neurológico que trazem bem-estar psicológico. Esse profissional também faz acompanhamento dos níveis hormonais e de outros exames a fim de proteger a saúde da pessoa trans ao longo do tratamento. No Brasil, apenas maiores de 16 anos e com autorização dos pais podem realizar terapia hormonal.
Fonoaudiólogos fazem treinos com o intuito de feminizar ou masculinizar a voz. Esse tratamento é bastante importante principalmente para pessoas trans femininas, pois a hormonização feminizante não altera a voz, para elas o treino de voz é ferramenta fundamental na modificação vocal. A hormonização masculinizante, por outro lado, engrossa as cordas vocais permanentemente, o que diminui a necessidade pessoas trans masculinas buscarem esse tratamento, embora possa ainda assim trazer benefícios. Via de regra, tal tratamento está disponível apenas no sistema particular.
Existe também uma vasta gama de cirurgias que podem trazer benefícios para pessoas trans (cirurgias afirmativas de gênero), como cirurgias genitais, faciais, mastectomia ou implantes mamários. No Brasil é exigido de 1 a 2 anos de acompanhamento psicológico antes da pessoa poder realizar cirurgias transgenitalizadoras
Por fim, embora não seja considerada um procedimento médico, a depilação permanente também é bastante importante no tratamento da disforia, principalmente de pessoas trans femininas, pois os pelos de algumas áreas do corpo não sofrem alteração com a terapia hormonal. Infelizmente, a remoção de pelos não é fornecida nem pelo SUS e nem coberta por planos de saúde, sendo considerada com frequência mero “tratamento estético”. No Brasil, este tipo de serviço costuma ser oferecido por clínicas especializadas em depilação com luz pulsada, depilação a laser ou eletrólise.
A criação de protocolos para tratamentos voltados a pessoas trans no Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil é bastante recente. Ainda que hoje esses serviços sejam muito mais acessíveis que no passado, ainda há muita desinformação e irregularidades na prestação de serviços médicos a pessoas trans. Isso leva a um senso geral de que é necessário uma mistura de sorte e de alguns privilégios para se ter acesso efetivo a esses tratamentos no Brasil, pois a acessibilidade varia muito de acordo com as regiões. São Paulo, por exemplo, concentra muito mais ambulatórios da rede pública que atendem demandas de pessoas trans do que o resto do país.
Além disso, a complexidade do funcionamento do sistema de saúde frequentemente é um obstáculo para pessoas trans, que podem acabar encaminhadas em ‘ping-pong’, indo de clínicos-gerais para endocrinologistas e destes para médicos psiquiatras e psicólogos até conseguirem finalmente encontrar quem possa ajudá-la a conseguir o tratamento que procura. Por conta disso, algumas pessoas acabam tendo um acesso rápido e eficiente no tratamento do SUS e outras acabam tendo uma espera que pode parecer infinita. Para pessoas que já fazem psicoterapia há algum tempo, levar um laudo psicológico apontando o quadro da disforia de gênero, embora não seja necessário, é algo que pode agilizar o atendimento.
Uma vez admitida para tratamento no SUS e com o pedido médico em mãos, a pessoa trans pode requisitar os medicamentos para iniciar sua transição hormonal nas farmácias do SUS. Também é possível ir diretamente às farmácias do SUS caso a pessoa já tenha a receita médica exigida. Contudo, não é incomum que, devido a atraso nas consultas ou falta de medicamentos, pessoas trans dependentes desta via acabem perdendo acesso aos medicamentos que necessitam e interrompendo sua hormonização, o que pode levar a sérios problemas. Além disso, conforme comentamos no artigo ‘Como aliviar a disforia?‘, alguns dos medicamentos disponibilizados pelo SUS para a TH feminizante não são ideais e estão associados a um alto risco de trombose.
Quando uma pessoa inicia tratamentos relacionados à transição no SUS, ela também pode entrar na lista de espera para cirurgias afirmativas de gênero, o que pode levar bastante tempo. Embora o número de cirurgias afirmativas realizadas viesse aumentando até 2019, o número de procedimentos caiu drasticamente com a pandemia, agravando a situação de quem busca esses tratamentos pela rede pública. Hoje em dia, a fila pode levar até 18 anos. A ANTRA possui um guia detalhando esses e outros aspectos do acesso a procedimentos cirúrgicos no SUS.
A seguir temos uma lista dos de serviços públicos que atendem a população trans:

No sistema particular, o cenário também varia: muitos endocrinologistas, seja por preconceito ou despreparo, não estão aptos ou não se sentem confortáveis tratando pessoas trans, muito embora o tratamento hormonal com pessoas trans não exige conhecimentos muito diferentes da formação geral em endocrinologia.
Além disso, muitos dos que aceitam atender pessoas trans ainda seguem modelos de tratamento antiquados e questionáveis. Por exemplo, é comum que seja receitado a mulheres trans um regime hormonal com doses desnecessariamente altas de bloqueadores de testosterona junto a doses baixas de estrogênio, uma combinação que muitas vezes causa efeitos colaterais perigosos. Hoje em dia sabe-se que doses baixas de bloqueador são suficientes, e que para boa parte das pessoas o uso de estradiol por si só (monoterapia) já é capaz de suprimir a produção de testosterona.
É comum também que endocrinologistas exijam um laudo de avaliação de saúde mental antes de iniciar a hormonização. Em teoria, isso poderia cumprir uma função de cuidado com a saúde mental da paciente, inclusive, essa é a lógica que fundamenta a diretriz atual de tratamento do Conselho Federal de Medicina (CFM). Porém, na prática isso significa a aplicação de uma série de regras que acabam restringindo o acesso da população trans aos tratamentos que precisam.
Um argumento típico para a exigência desse laudo é de que uma pessoa, por conta de algum transtorno psicológico e estando fora de seu próprio discernimento, poderia se confundir sobre ser transgênero e vir a se arrepender da transição no futuro. Por mais “bem intencionado” que tal tipo de argumento pretenda ser, é uma justificativa bastante rasa e que acaba por criar obstáculos que prejudicam pessoas trans e reforçam a patologização desse grupo (mais sobre isso em breve no artigo “Diagnósticos e disforia de gênero”).
Alguns médicos psiquiatras (seguindo uma interpretação incorreta do DSM-V) obrigam pacientes trans a passarem por longas avaliações (que podem durar mais de 6 meses) antes de conceder o laudo de avaliação de saúde mental comumente exigido por endocrinologistas. Outros ainda defendem que, antes de um paciente transicionar, é sempre necessário tratar quaisquer outros transtornos psicológicos que possam afetar seu julgamento. Esse tipo de raciocínio, refletido em recomendações do CFM e outros órgãos, é fatalmente equivocado, pois ignora que o desconforto derivado da disforia de gênero muito frequentemente é responsável pela manifestação de sintomas similares aos de distúrbios comuns como ansiedade ou depressão. Em outras palavras, pode ser impossível se livrar de transtornos do tipo antes uma transição se eles derivam do quadro de disforia de gênero.
Inclusive, vários estudos apontam os benefícios imediatos da transição para a saúde mental de pessoas trans. Se há alguma razão verdadeiramente válida para que pessoas trans sejam incentivadas (e não obrigadas) a procurar psicoterapia, ela parte do fato de que o Brasil é um país bastante violento e com várias dificuldades para pessoas trans. Por conta disso é importante que a pessoa tenha algumas reflexões sobre como ela lidará com a reação social à sua transição, a que redes de apoio ela poderá recorrer e quais serviços ou instituições podem ajudá-la neste processo.
Por mais que o cenário acima pareça desanimador para quem busca iniciar sua transição médica, existem profissionais conscientes dos benefícios que tais procedimentos podem trazer à saúde de pessoas trans, e que buscam descomplicar burocracias em seus atendimentos, por exemplo, abrindo mão da exigência de um laudo psicológico e adotando o modelo de consentimento informado, em que a própria pessoa se declara responsável pela decisão de iniciar o tratamento. Em geral, esses profissionais mais receptivos costumam ser indicados em fóruns online de pessoas trans.
Para o caso de cirurgias, é possível que haja cobertura de planos de saúde para cirurgias que visam tratar a disforia de gênero, sendo que algumas delas já estão mais integradas nos pacotes dos planos (em geral cirurgia genital, mastectomia e implante mamário) e outras ainda requerem processo judicial para serem aprovadas. Em todo caso, é exigida uma comprovação médica do quadro de disforia de gênero para os planos de saúde.
The post Acessibilidade no Brasil appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>The post Como aliviar a disforia? appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>A transição social é basicamente o que se costuma chamar de “sair do armário”. Trata-se aqui simplesmente de anunciar ao mundo que você é transgênero. Você anuncia que deseja usar um novo nome e / ou novos pronomes – ou não, você pode apenas desejar que as pessoas saibam que você é trans e que você não se identifica de fato com o gênero binário que lhe atribuíram ao nascer. Para algumas pessoas não binárias, isso não significa necessariamente uma desidentificação total com o gênero atribuído no nascimento, uma vez que gênero é um espectro e existem tanto “homens não binários” como “mulheres não binárias”.
A transição social também frequentemente inclui mudanças na expressão pessoal da pessoa, como nas roupas, no cabelo, no uso de maquiagem e em alguns comportamentos. Esses elementos costumam ser associados ao gênero, e mudar a apresentação, além de ser algo que fazemos pela nossa própria autoestima, também ajuda a sinalizar para as pessoas ao nosso redor como desejamos ser tratados.
O principal objetivo da transição social é não precisar mais reprimir a si mesmo, seus trejeitos, maneirismos e outras formas naturais de expressão por receio de ser mal interpretado ou punido por isso.
Este é o processo de alterar seus documentos legais para refletir seu verdadeiro gênero. No Brasil esse processo segue a sequência de emitir uma nova certidão de nascimento com o nome e sexo retificados, e depois, com esses documentos em mãos, podem ser retificados outros documentos como RG e CPF. Existem vários guias de retificação como o Poupatrans ou os guias da Antra [1] e [2].
Até hoje, o a alteração do gênero no cartório foi limitada à mudança de masculino para feminino ou vice-versa, contudo, mais recentemente, no Rio de Janeiro, houve casos de pessoas que conseguiram, por meio de processo judicial, emitir uma nova certidão de nascimento com gênero “não-binário”.
Além da mudança na certidão de nascimento, também é possível no Brasil a inclusão do nome social nos seus documentos de forma gratuita, facilitada e não permanente por meio dos órgãos de registro estaduais (em São Paulo isso é feito no Poupa Tempo).
A terapia hormonal masculinizante (desenvolvimento de características sexuais secundárias masculinas) consiste na introdução de testosterona, geralmente via injeção intramuscular ou gel tópico (aplicado sobre a pele). O aumento nos hormônios gonadais totais normalmente causa a interrupção da ovulação, que é a fonte da maior parte do estrogênio produzido nos ovários. Diferente da terapia hormonal feminizante, não há necessidade alguma do uso de um “bloqueador de estrógeno.” A forma mais econômica e eficiente de aplicação de testosterona no Brasil, e também a mais comum, é a injeção intramuscular.
A terapia hormonal femininizante (desenvolvimento de características sexuais secundárias femininas) consiste na introdução de estrogênio, normalmente estradiol, por meio de pílula oral, adesivo, gel transdérmico ou injeções regulares (intramuscular ou subcutânea). Outra possibilidade é o uso de implantes de liberação lenta. Também é prática comum prescrever um anti-andrógeno para bloquear a produção ou absorção de testosterona. No SUS é oferecida a espironolactona, um medicamento (originalmente criado para controle de pressão arterial) que tem como um dos seus efeitos o bloqueio da testosterona. Outro medicamento que endocrinologistas costumam receitar é o acetato de ciproterona, um bloqueador de receptores de hormônios andrógenos. No entanto, alguns médicos podem simplesmente optar por usar doses maiores de estradiol para interromper a produção gonadal de testosterona sem a necessidade de bloqueadores, que costumam ter alguns efeitos colaterais.
A forma mais econômica e eficiente de aplicação do estrogênio no Brasil é atualmente o gel transdérmico (Oestrogel) aplicado em regiões de maior absorção. Porém, a injeção é um método mais prático, pois necessita apenas de aplicações semanais, enquanto o gel deve ser aplicado diariamente. Infelizmente, os únicos injetáveis disponíveis nas farmácias brasileiras consistem em anticoncepcionais que misturam progestinas sintéticas que, embora sejam receitadas em alguns postos do SUS, trazem uma chance considerável de causar sérios riscos à saúde.
Poucas crianças têm características físicas marcadas o suficiente para serem lidas como homens ou mulheres sem pistas fornecidas por meio da apresentação. Portanto, em regra, não há qualquer intervenção médica necessária nestes casos, e a transição social é suficiente. Permitir que uma criança troque de cabelo e roupas é tudo o que é necessário para que ela seja vista como menina ou menino.
A partir da adolescência, passa a ser possível a utilização de medicamentos de hormônios diferentes daquele produzido pelo corpo da pessoa. No Brasil, a idade mínima para iniciar a terapia hormonal é de 16 anos, com a autorização dos responsáveis legais. Antes disso, é possível o tratamento com o uso de bloqueadores de puberdade até que a pessoa tenha idade e clareza o suficiente para decidir qual hormônio gonadal ela deseja que tenha efeito em seu corpo.
Note que a administração de bloqueadores de puberdade é muito diferente de uma transição médica, pois isso só atrasa a puberdade até que a pessoa chegue em idade para decidir sobre como quer proceder em relação aos seus hormônios sexuais. Com o devido acompanhamento médico, este tratamento não causa nenhum efeito indesejado, e a pessoa pode mais tarde continuar sua puberdade normalmente, seja com a produção natural de hormônios do seu corpo ou com medicamentos dos hormônios que seu corpo não produz naturalmente, a depender do que decidir.
Bloqueadores de puberdade podem envolver bloqueadores androgênicos (drogas que bloqueiam a ação dos hormônios masculinos) ou o uso de uma antigonadotrópico (droga que bloqueia os hormônios que causam a produção de estrogênio e androgênio), como o acetato de leuprolida (uma injeção aplicada em intervalos de poucos meses) ou acetato de histrelina (um implante anual).
A administração de bloqueadores é ainda pouco conhecida pela comunidade médica. Segundo a pediatra do HCFMUSP Ana Carolina Novo, há no Brasil apenas três centros de pesquisa que estudam a administração de bloqueadores para adolescentes sofrendo de disforia de gênero (sendo um deles o AMTIGOS em São Paulo). Tradicionalmente, o uso de bloqueadores é indicado em casos de puberdade precoce (quando crianças começam a desenvolver características sexuais secundárias mais cedo que o esperado), e os mesmos tipos de medicamentos costumam ser usados no caso de crianças transgêneros (com o mesmo objetivo).
Para além de dúvidas médicas, há um intenso debate acerca da liberdade de crianças trans em início de puberdade – e abaixo da idade em que possuem capacidade civil – em consentirem com o uso de bloqueadores. Argumenta-se que crianças seriam jovens demais para concordar em atrasar as mudanças trazidas pela puberdade. Contudo, há de se notar que sob esta mesma lógica, crianças também são jovens demais para concordar em passar pelas mudanças tipicamente trazidas pela puberdade “natural”, e o tempo adicional fornecido por bloqueadores na verdade aumentaria a liberdade de escolha da pessoa. Na prática, a saúde da criança deve vir em primeiro lugar, e demonstrações de disforia física e rejeição pelas mudanças trazidas pela puberdade indicarão a necessidade ou não do uso de bloqueadores, e estudos recentes indicam que o uso de bloqueadores de puberdade pode ajudar no alívio de sintomas de depressão, ideação suicida e problemas de sociabilidade em crianças e adolescentes trans.
O tema já foi assunto de caso judicial no Brasil em 2017, depois que uma família entrou na justiça em 2017 para que sua filha de 12 anos tivesse o direito de interromper sua puberdade. Foi necessária a validação de toda uma equipe médica para que o processo fosse ganho.

Se as crianças não podem consentir com o uso dos bloqueadores da puberdade que interrompem quaisquer mudanças permanentes mesmo com a avaliação profissional pertinente, como podem consentir com as mudanças permanentes e irreversíveis que vêm com a sua própria puberdade sem qualquer avaliação profissional? Esta é literalmente uma posição em que mudanças permanentes estão bem, contanto que você não seja trans.
A incapacidade de oferecer consentimento informado ou compreender as consequências a longo prazo é, na verdade, um argumento para colocar cada pessoa cis e trans em bloqueadores de puberdade até que adquiram essa habilidade.
No desenvolvimento do aparelho vocal humano, a testosterona é o hormônio responsável pelo engrossamento das cordas vocais e outras mudanças anatômicas que resultam em uma voz mais grave (e tipicamente associada ao masculino). Tais mudanças costumam acontecer a partir da puberdade e podem se alongar até a idade adulta, e são irreversíveis.
Os hormônios sexuais femininos, por outro lado, não causam alteração nas cordas vocais.
Sendo assim, pessoas trans masculinas que desejam masculinizar a sua voz costumam alcançar esse efeito por meio da terapia hormonal. Também é possível que façam um treino de voz com fonoaudiólogo caso ainda não se sintam satisfeitos com sua voz ou caso não desejem usar testosterona.
Por sua vez, pessoas trans femininas cujas cordas vocais já sofreram os efeitos da testosterona e que desejam alcançar um padrão de voz mais tipicamente feminino precisam recorrer ao treino de voz com fonoaudiólogo, o que pode demorar de alguns meses a poucos anos. O treino de voz é o tratamento mais seguro e recomendado nesse caso, porém também pode ser complementado com intervenções cirúrgicas no aparelho vocal, caso a pessoa ainda não se sinta satisfeita com sua voz.
As cirurgias para transgêneros são normalmente divididas em três categorias distintas:
Para sua informação
Um campo de cirurgias genitais ainda em desenvolvimento é em operações em pessoas AMAB em que se busca realizar uma vaginoplastia sem a remoção do pênis. Este tipo de cirurgia é extremamente experimental e foi realizada apenas poucas vezes nos Estados Unidos, mas as perspectivas para o futuro são boas.
Uma opção adicional de cirurgia genital é a cirurgia de anulação genital, que visa remover completamente a genitália externa, deixando apenas uma abertura uretral.
Essas cirurgias realizam modificações no crânio, cartilagem e pele de certas regiões do rosto, visando modificar traços associados a gênero (diferente de cirurgias plásticas feitas em pessoas cis, que têm finalidade estética). Quanto mais jovem for a pessoa, menos os hormônios sexuais terão causado alterações na sua estrutura óssea, ou seja, pessoas trans que começam a se hormonizar antes dos 20 anos, tendem a sentir menos necessidade desse tipo de cirurgia.
The post Como aliviar a disforia? appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>The post Expressão de Gênero appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>Embora a revolução sexual da década de 1960 e a mania da moda empresarial dos anos 80 tenham feito maravilhas para estreitar a linha entre a apresentação masculina e feminina (em grande parte normalizando a moda masculina como andrógina), ainda existem enormes pressões para se conformar às normas de gênero tradicionais. Formas de se vestir que não conformam às normas de gênero são reconhecidas como dissonantes tão rápido que basta um homem usar um vestido ou mesmo uma camiseta com cores mais vivas para ser rotulado de homossexual.
Cabelo comprido em homens tem sido visto como um ato de rebeldia de roqueiros por décadas, e homens com cabelo comprido dificilmente são vistos como “profissionais” ou “competentes”. Cabelo curto em mulheres é frequentemente lido como queer ou butch (a menos que sejam mais velhas, então é esperado), e mulheres muitas vezes são pressionadas a manter o cabelo comprido. Homens com orelhas furadas tornaram-se um pouco mais normalizados nos anos 90, mas ainda são mal vistos em vários meios, especialmente em profissões mais conservadoras. A maquiagem nos homens é tão estigmatizada pela masculinidade tóxica que mesmo os homens que gostam de maquiagem se sentem pressionados a não usá-la.
Goste ou não, a apresentação é baseada no gênero, e é extremamente comum para as pessoas trans desejarem ter uma apresentação mais alinhada com seu verdadeiro gênero, e o desejo de se livrar dos grilhões da apresentação baseada no gênero é comum entre todas as pessoas trans, independentemente de onde eles se sentam no espectro de gênero. Para pessoas AMAB, isso pode se manifestar como um desejo de incorporar elementos mais femininos, e o contrário para pessoas AFAB. Isso pode vir como um impulso total em direção ao oposto de seu gênero atribuído, ou um desejo de buscar um meio-termo na busca da androginia. Pode até ser simplesmente um desejo de não se apresentar como seu gênero designado.
Nem todas as pessoas trans femininas têm uma apresentação feminina, nem todas as pessoas trans masculinas têm uma apresentação masculina e nem todas as pessoas não binárias procuram a androginia. O gênero de alguém e a forma que ele escolhe expressá-lo não são a mesma coisa.
A disforia com a apresentação geralmente aparece cedo na forma de um enorme interesse pelo estilo de outro gênero e um desejo de ser capaz de se apresentar como as pessoas desse gênero o fazem. Esse desejo pode ser mais ou menos atendido procurando um estilo que seja unissex, mas no geral a pessoa não se sente tão confiante de explorar esse desejo e acaba se auto sabotando ou se podando. Pessoas AMAB em especial costumam ter problemas aqui, pois esse desejo muitas vezes fica preso por trás de expectativas heteronormativas, fazendo com que um interesse na apresentação feminina seja mal interpretado como expressão tipicamente homosexual.
Após iniciar uma transição de gênero, a tentativa de vestir roupas tipicamente reservadas ao gênero que lhe designaram ao nascer pode causar séria disforia – roupas “masculinas” ressaltam e evidenciam formas corporais “masculinas”. Isto é especialmente um problema para pessoas no início da terapia hormonal, quando as mudanças causadas pelo estrogênio ou testosterona ainda não estão completas, e roupas servem um papel importante para sinalizar seu gênero correto.
Roupas também podem desempenhar um papel importante no nível de disforia física que uma pessoa experimenta. Roupas masculinas são sempre cortadas bem quadradas, retas para cima e para baixo na vertical e muito quadradas na horizontal. As roupas femininas realçam mais as curvas, acentuando as cinturas e o formato do quadril. Calças masculinas apresentam uma virilha mais baixa para dar espaço aos órgãos genitais, e escondem as curvas do corpo. Roupas femininas costumam ser mais justas no corpo, enquanto roupas masculinas costumam ser mais largas. Roupas masculinas costumam ser feitas de materiais mais resistentes e grossos. Roupas femininas costumam ser feitas de materiais mais finos e elásticos.
Já que roupas são feitas para se adequar a formatos de corpo masculinos ou femininos (e exagerar ou diminuir certas partes do corpo), elas tendem a amplificar a sensação de incômodo. A diferença entre calças jeans masculinas e femininas, por exemplo, pode ter um efeito radical no nível de conforto de uma pessoa trans. Infelizmente, isso funciona para os dois lados, já que até a experiência de uma pessoa trans de provar roupas do seu verdadeiro gênero pode acentuar incômodos com a percepção de que aquela roupa não se encaixa tão bem no corpo dela.
Mesmo antes de se perceberem como trans, é comum que as pessoas evitem certos estilos de roupas e busquem outros que as deixem mais confortáveis com o próprio corpo. Pessoas AMAB podem buscar calças altas e coladas que realcem seu quadril e evitar camisetas regatas, pois acentuam o formato masculino do ombro e os bíceps. Da mesma forma, pessoas trans masculinas podem evitar tops que expõem a barriga, para não atrair atenção ao quadril, o formato feminino do abdômen ou os seios, e buscar usar calças largas e folgadas.
Neste aspecto, a disforia de gênero, em particular antes de ser notada como tal, tem muito em comum com outros problemas de imagem corporal. Isto costuma resultar em evitar qualquer roupa que realce a forma do corpo, com uma preferência por tecidos mais macios e roupas mais largas de forma a evitar ao máximo qualquer desconforto que lhe faça lembrar do seu corpo. Um exemplo clássico é alguém que não veste nada além de calças de moletom e blusões, roupas superdimensionadas para que não se agarrem ao corpo e escondam sua forma.
Internamente, a disforia pode se manifestar como uma inveja de pessoas que você gostaria de ser. Inveja pelo formato do corpo de alguém famoso, inveja pelas roupas de outras pessoas e, especialmente, inveja de outras pessoas trans. Parte desse sentimento muitas vezes persiste após a transição, uma vez que essa sensação de “inveja” com frequência é apenas a sensação de querer ser parecida com outras pessoas do seu gênero, algo completamente natural, mesmo para pessoas cis.
A expressão de gênero pode ser importante para evitar ser reconhecida pelo gênero incorreto (“misgendering“), especialmente no início da transição. Muitas pessoas trans sentem a necessidade de performar seu gênero para serem aceitas por quem são, inclinando-se para a apresentação feminina ou masculina mais do que realmente gostariam como uma forma de compensação, a fim de garantir que as pessoas leiam seu gênero corretamente. Aquelas que buscam a transição médica podem descobrir que essa necessidade se torna menos importante à medida que seus corpos mudam e elas se tornam mais capazes de serem percebidas pelo gênero correto sem toda uma performance.
A apresentação performativa era praticamente necessária antes da reforma do WPATH em 2011; qualquer pessoa que comparecesse a uma consulta médica sem apresentação feminina ou masculina extrema corria o risco de ser rotulada como falsa e perder o direito ao tratamento na Escala de Harry Benjamin. Na verdade, as mulheres trans poderiam inclusive perder o acesso ao seu estrogênio simplesmente por usar jeans e uma blusa em vez de um vestido, ou por não colocar maquiagem suficiente. Desde a revisão dos critérios de diagnóstico WPATH, não é mais esperado que pessoas trans tenham uma expressão de gênero estereotípica (em geral, cis- e heteronormativa) para serem consideradas trans.
A apresentação é especialmente importante entre crianças pré-púberes, visto que não possuem características sexuais secundárias significativas. Roupas e cabelo são as únicas maneiras que temos de mostrar o gênero de uma criança, tanto que se um bebê simplesmente veste uma camisa rosa, estranhos supõem que seja uma menina. Mesmo as roupas unissex para crianças têm uma forte marcação de gênero por meio de cores e desenhos. Para crianças trans, pode ser extremamente angustiante ser forçada a cortar o cabelo ou ser obrigado a deixá-lo crescer. Negar vestidos a uma menina trans, ou forçar um menino trans masculino a usar vestidos, pode ser debilitante para eles.
The post Expressão de Gênero appeared first on o guia da disforia de gênero.
]]>